Enfermagem baseada em evidências

Na história da ciência, o marco para o início da Prática Baseada em Evidências ocorreu por meio de Archie Cochrane (1909-1988), médico escocês que defendia um método científico para investigar a eficiência e a eficácia dos tratamentos nas doenças, sendo pioneiro nos estudos da medicina baseada em evidências (1). Cochrane, pensava e questionava a prática: 

Eu decidi que não poderia continuar tomando decisões sobre intervir (por exemplo, em pneumotórax e toracoplastia) quando eu não tinha ideia se eu estava fazendo mais mal do que bem;

Uma grande crítica da nossa profissão é que nāo tenhamos um resumo crítico organizado por especialidade, adaptado periodicamente de acordo com experimentações controladas aleatoriamente”.

Em 1993, o desejo de Cochrane de reunir estudos e evidências científicas se tornou realidade, sendo fonte conhecida e renomada para as pesquisas em saúde até os dias atuais.

As áreas multiprofissionais em saúde usufruíram os benefícios idealizados por Cochrane e, até hoje, essa corrida desenfreada de fazer melhor e bem feito, de acordo com as melhores evidências, é o que o profissional da saúde vislumbra.

Toda verdade tem prós e contras. Quando organizamos as buscas, nas bases de dados e literaturas, das melhores evidências para determinado cuidado, ou doença, nos deparamos com milhares de artigos, o que é ótimo! Sintetizar e organizar essas recomendações como propôs Cochrane, se torna muito difícil, visto a gama de informações a nossa disposição. E logo vêm as perguntas:

  • O que sāo evidências?
  • Como trabalhar com evidências?
  • No Brasil a Enfermagem trabalha com evidências para melhores práticas?

A Evidência e a Tomada de Decisão

A evidência não é um conceito simples para descrever, mas geralmente é visto como “a base da crença”; a fundamentação ou confirmação que é necessária para que possamos acreditar que algo é verdade (2).

A tomada de decisões considera a viabilidade, adequação, significado e efetividade das práticas de saúde. As melhores evidências disponíveis, o contexto em que o cuidado é prestado, o paciente individualmente e o julgamento profissional e a expertise do profissional de saúde informam o processo de implementação das melhores práticas (3).

Enfermagem Baseada em Evidências no Brasil

Em 1996 o Professor Alan Pearson, fundou o Instituto Joanna Briggs (JBI), com a colaboração da Universidade de Adelaide e o Royal Adelaide Hospital. O Professor Pearson apresentava suas bases voltadas para a prática, entendia a necessidade da pesquisa e da pluralidade multiprofissional para integrar as melhores práticas de acordo com as melhores evidências.

O Joanna Briggs Institute (JBI) é uma organização internacional de pesquisa e desenvolvimento, sem fins lucrativos, especializada em recursos para prática baseada em evidência destinados a profissionais de saúde. O JBI tem entidades colaboradoras ao redor do mundo, atuando em várias disciplinas da saúde.

O Centro Brasileiro para o Cuidado à Saúde Informado por Evidências: Centro de Excelência do Instituto Joanna Briggs (JBI – Brasil) é a primeira entidade colaboradora do JBI no Brasil, sediado na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP).

Anualmente a EEUSP através do JBI Brasil, oferece o Curso Evidence-Based Clinical Fellowship Program (EBCFP) e o Curso Comprehensive Systematic Review Training Program (CRSTP) (4).

Relato de Experiência (Melhores Evidências/ Melhores Práticas)

Eu tinha grande vontade de trazer para a prática o que havia de mais novo na literatura, a fim de melhorar os resultados assistenciais da Enfermagem. Lia muito, mas, efetivamente, não sabia como. Por meio da EEUSP, participei de um evento, onde assisti as apresentações de trabalhos de implementação de evidências. Fiquei encantada! Tratei logo de saber como poderia aprender a metodologia para implementar evidências e foi quando, então, me inscrevi no Curso de Implementaçāo de Evidências, o Evidence- Based Clinical Fellowship Program (EBCFP).

O Curso é presencial na primeira e última semana. Ao final da primeira semana, saímos com um projeto de implementação escrito e pronto para ser submetido a Comissāo de Ética. Posteriormente, tinhamos cerca de seis meses para implementar e, novamente, voltarmos a EEUSP para trabalharmos por uma semana com os resultados finais.

Passos para a implementação de evidências

Passo 1: Como escolher o tema de implementação 

Pergunte a si mesmo:

  • O que me inquieta?
  • Qual indicador assistencial está precisando de um trabalho especial?
  • O que eu preciso melhorar?

Passo 2: Reúna uma equipe de implementação

Uma andorinha só nāo faz verão! É muito importante que você forme um grupo de enfermeiros para te ajudar na implementação. Discuta com os eles, de acordo com a prática clínica, como seria possível auditar os itens de recomendação, chamados de critérios, contidos nos sumários de evidência do JBI.

Passo 3: Auditoria de base ou inicial

Nesse passo, realize uma auditoria clínica para verificar se o que é recomendado está sendo feito no serviço. Esses achados trazem dados numéricos para alimentar a base de dados do JBI, por exemplo, se o cuidado está conforme preconizado considere SIM, se o cuidado está incompleto ou não realizado considere NÃO.

Passo 4: Identificar barreiras e propor soluções

Conheça as fragilidades e potencialidades da sua equipe e elabore programas de treinamento baseados no sumário de evidências da JBI, incluindo ilustrações educativas. Todas essas ações são importantes para instrumentalizar a equipe e efetivar a implementação.

Passo 5: Auditoria de Seguimento

Após treinar toda a equipe, contorne os problemas que denominamos barreiras e a equipe assistencial começará a cuidar do paciente de acordo com as novas evidências.

Minha experiência

Comecei a trabalhar na Equipe Multiprofissional de Terapia Nutricional (EMTN), e o que me inquietava era o indicador assistencial ligado a perda de sonda enteral. Descobri que no JBI, havia mais de 400 itens de estudo. Pesquisadores, no mundo todo, estudam, produzem revisões sistemáticas e sintetizam os melhores achados, que possivelmente levaríamos muito, mas muito tempo para fazer.

Se em uma busca encontramos milhares de artigos e temos grande dificuldade para sintetizar, o JBI consegue sumarizar os achados em uma folha. Nesse primeiro momento, que o JBI chama de tópico (assunto de seu interesse), escolhi 03 tópicos ligados a sonda nasoenteral.

Criei um grupo de enfermeiros para me ajudar na implementação. Discuti com os eles como seria possível auditar os critérios da JBI e começamos a trabalhar alguns desses critérios.

Antes dos seis meses finais do curso, o mesmo levantamento feito inicialmente foi repetido. A boa surpresa: a prática clínica melhorou muito.

Resultados de alguns critérios implementados

1. A sonda (cateter) é verificada em cada plantão para garantir que está bem posicionada e o comprimento da sonda é medido e comparado com as medidas anteriores para confirmar se houve alterações (5)

A auditoria de base mostrou (Figura1) que a verificação do comprimento da sonda era feita em apenas 2% dos pacientes atendidos (linha verde na primeira coluna), enquanto que 98% não recebiam esse cuidado. Após a implementação, a assistência melhorou e a situação se inverteu, como mostra a linha verde na segunda coluna.

Figura 1: Verificação do comprimento do cateter enteral 1x por plantão

Figura 1: Verificação do comprimento do cateter enteral 1x por plantão

2. Se o comprimento da sonda tiver mudado, ou se houver outras razões para suspeitar de deslocamento (como, episódios de vômito, náuseas, espasmos de tosse, sintomas respiratórios novos ou redução dos valores da saturação de oxigênio), a posição da sonda é avaliada por verificação dos valores de pH aspirado ou por RX (5)

Antes da implementação nenhum profissional correlacionava a mudança do comprimento da sonda com algum dado clínico, como mostra a primeira coluna da Figura 2. Após a implementação, houve registro dessa correlação em 50% dos casos, conforme mostra a linha verde na segunda coluna.

Figura 2: Mudança do comprimento do cateter enteral

Figura 2: Mudança do comprimento do cateter enteral

3. O paciente recebe a alimentação em posição de decúbito (30° a 45°) (6)

Nesse critério não houve alteração, como evidencia a Figura 3.

O resultado manteve-se em torno de 86% de conformidade, verificado na observação direta à beira leito, antes e depois da implementação.

Figura 3: Decúbito entre 30o e 45o durante a alimentação

Figura 3: Decúbito entre 30° a 45° durante a alimentação

Essa etapa nos mostrou resultados que nos fez pensar como estávamos deixando a desejar e precisávamos mudar imediatamente!!!

Conclusão

Verificamos que, realmente, é possível mudar e que os resultados refletem positivamente para a equipe e para os pacientes.

O método proposto pelo JBI é prático, dinâmico e rápido! Os resultados são vivenciados no dia a dia e o cuidado aperfeiçoado, melhorado, levando satisfação à toda a equipe.

Frente à minha experiência: recomendo implementar!

Referências

  1. http://www.cochrane.org.au/libraryguide/pop_guide_archie.php
  2. Pearson A, Wiechula R, Court A & Lockwood C. A re-consideration of what constitutes “evidence”in the healthcare professions. Nursing Science Quarterty. 2007 Jan;20 (1):85-8.
  3. Jordan Z, Lockwood C, Munn Z, Aromataris E. The updated Joanna Briggs Institute Modelo f Evidence-Based Healthcare. Int J Evid Based Healthc 2018; Sep 25:1-14.
  4. http://www.ee.usp.br/site/index.php/paginas/mostrar/1624/2294/156
  5. National Patient Safety Agency. Reducing the harm caused by misplaced nasogastric feeding tubes in adults, children and infants. 2011.
  6. American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (ASPEN) and Society of Critical Care Medicine Journal of Parenteral and Enteral Nutrition, vol. 40 n 2, february 2016; 159-211, 2016.
Send this to a friend