Enfermeiros offshore

O artigo de hoje é para quem tem interesse em Enfermagem Offshore e Enfermagem Aquaviária, ou está cansado da rotina hospitalar e do atendimento de urgência e emergência em terra.

Conversei com alguns amigos dessa área e pedi para contarem as suas experiências, que estão registradas aqui.

A Enfermagem Offshore e Aquaviária foi reconhecida pelo Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) como especialidade (44ª. especialidade) por meio da Resolução 389/2011 e no Brasil, atualmente, muitos profissionais trocaram a carreira tradicional por essa área.

Apesar de terem sido englobadas em uma única especialidade (COFEN), cada uma tem a sua especificidade, tanto no campo técnico-científico quanto na área jurídica.

Enfermagem Offshore

A Enfermagem Offshore consiste na assistência desenvolvida na área de exploração e produção de petróleo e gás natural em alto mar. Os enfermeiros dessas indústrias (plataformas) promovem orientações de saúde e inspeções sanitárias em ambiente de trabalho em alto mar e em equipamentos de proteção, visando a promoção da saúde e segurança dos trabalhadores offshore.

Cabe as esses profissionais executar e avaliar programas de prevenções de acidentes de trabalho, bem como prestar assistência de emergência e urgência em situações de sinistro.

Segundo Amorim et al, o enfermeiro embarcado “tem que trabalhar com a possibilidade iminente de um desastre e deve estar preparado para atender a uma quantidade ilimitada de trabalhadores acidentados, além da possibilidade dele mesmo se tornar vítima de uma ocorrência infeliz”.

As atividades assistenciais do enfermeiro offshore são determinadas pelo atendimento eletivo ou de urgência dentro da instalação e, também, atuação em atividades gerenciais, planejando, organizando, direcionando e controlando as atividades relacionadas com o trabalho offshore, incluindo gerenciamento de recursos materiais, humanos, informações e conflitos.

Jornada de trabalho

Normalmente, consiste em turno de 12 horas diárias, porém em dois tipos de regime de revezamento de embarque: escala 14 X 14 (14 dias embarcado e 14 dias de folga) e escala 14 X 21 (14 dias embarcado e 21 dias de folga). Os profissionais são regidos pelas normas que regulam a atividade petrolífera e pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Enfermagem Aquaviária

A Enfermagem Aquaviária resulta de norma legal emanada da autoridade da Marinha do Brasil. Os profissionais estão direta e hierarquicamente subordinados às normas emanadas da Autoridade Naval, inclusive são obrigados a trajar uniformes próprios da Marinha Mercante. Os profissionais de enfermagem aquaviária também estão sujeitos aos Tratados e Convenções Internacionais ratificadas pelo Brasil e que regulam a atividade aquaviária mundial. (COFEN). Nesta modalidade, pela característica do tipo de atividade e embarcação, o profissional pode permanecer embarcado por vários meses, no caso de navios de longas viagens.

Na Enfermagem Aquaviária estão incluídas as atividades em navios de cruzeiro (transatlânticos), embarcações de resgate, navios da Marinha Mercante.

As atividades nessa modalidade incluem zelar pela saúde dos passageiros e tripulantes, intervir nas ocorrências, organizar e controlar materiais, medicamentos e equipamentos a bordo, realizar inspeções sanitárias nos ambientes, e prestar atendimento no ambulatório.

Jornada de trabalho

A jornada abrange todos os dias, mas todos mesmo, durante o contrato, que é em média 120 dias, mas podem perdurar até nove meses, em alguns casos.

Após os 120 dias, podem ser concedidas férias de 60 dias – sem remuneração

Adaptação

  • Superar as náuseas associadas ao movimento das ondas
  • Superar a claustrofobia por viver em um espaço limitado
  • Superar a confusão inicial por falta de pontos de referência geográfica
  • Superar as adversidades climáticas
  • Superar os distúrbios de ritmos biológicos – trabalho em turnos
  • Superar a solidão e a saudade da família
  • Superar a limitação de acesso às comuns tecnologias de comunicação (no mar todos estão dependentes de uma limitada e finita largura de banda de satélite e área de cobertura do mesmo)
  • Ter resistência a dores musculares pelos esforços dispendidos
  • No caso da modalidade offshore, há a exposição à ruídos elevados, excesso de calor

Competências mais apreciadas

  • Experiência em urgência e emergência
  • Experiência em atendimento a pacientes críticos
  • Experiência em traumatologia
  • Capacidade de gerenciar conflitos
  • Capacidade de estabelecer prioridades
  • Capacidade de tomar decisões precisas

Exigências e modalidades

  • Experiência mínima de 02 anos em urgência e emergência – Aquaviário
  • Inglês e espanhol fluentes – Aquaviário
  • Inglês fluente – (nem todas as empresas exigem, mas é um grande diferencial) – Offshore
  • Curso ACLS válido – Suporte Avançado de Vida em Cardiologia – Aquaviário e Offshore
  • Curso PHTLS válido – Pre Hospital Trauma Life Support (PHTLS) – Suporte de Vida no Trauma Pré-Hospitalar – Offshore
  • Curso Básico de Segurança em Plataforma (CBSP) – Offshore
  • Curso de Especialização em Enfermagem do Trabalho (recomendado) – Offshore
  • Curso de Formação de Aquaviário – CFAQ – Aquaviário
  • Conhecimentos de informática – Aquaviário e Offshore
  • Disponibilidade – Aquaviário e Offshore
  • Helicopter Underwater Escape Training (HUIET) – Treinamento para escape de aeronave submersa – Offshore – obrigatório somente em outros países. No Brasil, não existe lei para obrigatoriedade

Benefícios

No setor aquaviário:

  • Despesas de viagens, alimentação e acomodação – de acordo com o contrato de trabalho
  • Assistência médica
  • Previdência

No setor offshore:

  • Todos os benefícios assegurados pela CLT.

Média salarial

No setor offshore (plataformas) – varia entre U$ 1.500,00 à U$ 3.500,00 (R$ 5.000,00 a R$ 11.600,00*), podendo ultrapassar esse valor dependendo da empresa.

No setor aquaviário (transatlânticos) – pode variar de U$ 2.000,00 à U$ 5.000,00 (R$ 6.600,00 à R$ 16.600,00*) – em alguns casos esse valor pode ser superior, dependendo da companhia. Neste caso, os salários são pagos em dólares ou euros e livres de impostos (Tax Free).

*(Valores estimados em Reais, em Junho de 2016)

As experiências

Nada mais interessante do que ouvir as experiências de quem já está atuando na área. Então, pedi a três amigos que narrassem suas vivências e desafios, como profissionais offshore. Veja os depoimentos:

João Teixeira

Enfermeiro João TeixeiraEnfermeiro português, formado pela Escola Superior de Enfermagem de Vila Real, Pós-graduado em Enfermagem Médico-Cirúrgica pela Escola Superior de Enfermagem do Porto e em Emergência e Traumatologia pelo Grupo de Trauma do Hospital de São João no Porto, iniciou nessa área depois de quase vinte anos atuando como enfermeiro de urgência e emergência (pré-hospitalar) e dois anos em cuidados intensivos no Reino Unido.

Devido à sua experiência anterior, João tinha potencial para ingressar nessa área como “first responder” em situações de urgência e emergência médica e após as entrevistas formais para avaliação do nível de inglês e dos conhecimentos específicos da área de suporte avançado de vida, em poucas semanas estava apto a embarcar em qualquer navio de frota.

João relata que, ingressar nessa área representa uma mudança no estilo de vida e uma grande adaptação para fazer enfermagem diferente do convencional, mas diz que a empresa teve a sensibilidade de favorecer essa adaptação.

Ele embarcou e foi enfermeiro em tempo integral nas viagens entre Austrália e Pacífico Sul – quatro meses de mar e portos, como ele diz “na outra face do globo”.  O navio de médio porte levava 2.500 passageiros e 1.000 tripulantes e ele fazia parte de uma equipe médica de quatro enfermeiros e dois médicos.

João conta que, a vida do enfermeiro de bordo mistura-se com a vida dos passageiros, uma vez que são concedidos privilégios de “oficial de duas stripes”, o que concede acesso a “decks”, teatros, espetáculos ao vivo, restaurantes, bares, piscinas e outras utilidades à serviço dos passageiros, mas, sempre articulando esse acesso com o dever profissional e os períodos de descanso. Ele relata que trabalhava em turnos de 12 horas numa escala de rotação fixa tipo: “dia – noite – folga – folga” (para uma equipe de quatro enfermeiros), mas, ressalta que, “a qualquer momento a empresa pode destacar qualquer funcionário para suprir as necessidades de outro navio, mesmo que isso signifique atravessar metade do globo terrestre”.

Segundo João, existem, também, em navios de grande porte, equipes com paramédicos que assumem a função de “first responder” relegando aos enfermeiros os casos que necessitam de internação ou observação por períodos mais longos. Todos os navios dispõem de áreas de observação, serviço de urgência e internação, com equipamentos necessários a todos os níveis de assistência, incluindo exames laboratoriais e radiológicos.

João refere que “os serviços de emergência médica articulam-se com os demais serviços de emergência do navio, respondendo a uma hierarquia que é gerida em, última instância, pela equipe de comando na ponte e está sob ordem direta do capitão do navio. Também os serviços de gestão e coordenação da empresa em terra firme, têm um papel preponderante na gestão de situações críticas como catástrofe, evacuação por meios aéreos ou outras de complexidade ou natureza extraordinária. Tudo se articula em tempo real com recurso às comunicações próprias dentro do navio e deste com o exterior via satélite”.

Vale ressaltar que nessa atividade não existe distinção entre dias de semana, fins de semana e feriados. João diz que a diferença é somente entre dias de alto mar e dias de porto. Nesses dias de porto, os profissionais não escalados podem sair do navio para desfrutar dos portos, sempre respeitando as horas de regresso e suas responsabilidades profissionais.

João conta que as relações no navio não se limitam, obviamente, ao convívio com a equipe médica. Existe animação organizada para os tripulantes com bares, discoteca, atividades de lazer, excursões em portos de chamada e todo um conjunto de outras iniciativas e amenidades que visam proporcionar uma vida estimulante e divertida bem como o combate ao stress.

Para finalizar, a opinião de João é de que, “trabalhar como enfermeiro num navio de cruzeiro é um estilo de vida que coloca desafios a níveis absolutamente inimagináveis para quem nunca vivenciou esta experiência. Pode ser extremamente aliciante e viciante em diversas dimensões, mas pode ser simultaneamente frustrante e desmotivadora em outras. O mercado existe e a procura flutua, mas, o requisito mais importante é ter a vontade e a coragem de cortar o cordão umbilical com a zona de conforto, com a enfermagem mais convencional ou com a aspiração de ter um plano de vida familiar convencional”.

Atualmente João é especialista em recrutamento médico para frotas (Fleet Medical Recruitment) na empresa Holland America Group, onde trabalhou como oficial de enfermagem de bordo por dois anos (2014 a 2016).

Daniel Araújo Alves

Enfermeiro Daniel Araújo AlvesEnfermeiro brasileiro, formado pela Universidade Paulista, em  Santos, há nove anos, Pós-graduado em Atendimento Pré-Hospitalar pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS) e Certificado em PHTLS/ACLS pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), decidiu atuar como enfermeiro de bordo, depois de viajar em cruzeiros pelo Brasil e exterior, em 2011 e 2012, como passageiro. Para isso, solicitou licença do emprego em terra para ingressar como enfermeiro, em 2014, na Royal Caribbean e Pullmantur Cruises . Além da experiência como passageiro, refere que o ambiente multicultural o atraiu bastante.

Segundo Daniel, o ambiente de trabalho de um navio de cruzeiro é algo totalmente diferente daquele, comumente, encontrado em terra. O Enfermeiro é responsável por atender a tripulação e passageiros em todas as suas necessidades de saúde, sobretudo nas situações de urgência e emergência. A responsabilidade é enorme, e envolve contato com diferentes culturas (em média 40 a 50 nacionalidades).

Daniel relata: É necessário ter resistência física e emocional para suportar as adversidades climáticas, ambientais (sim, o navio balança muito) e por vezes a solidão e a distância da família (os contratos podem durar até 09 meses em alguns casos). É necessário ainda uma carga extra de compreensão e respeito às diversidades apresentadas por tripulantes de inúmeras nacionalidades, o choque cultural pode ser um obstáculo à boa atuação do profissional de Enfermagem. Os equipamentos disponíveis para a assistência de saúde dependem, basicamente, do tamanho do navio. Navios maiores contam com estrutura semelhante a muitos hospitais de ponta, com salas cirúrgicas completas e facilidades diagnósticas laboratoriais e radiológicas, lembrando que a integralidade dos procedimentos é realizada pelo enfermeiro. 

Daniel diz que, “o atendimento de urgência e emergência em um navio de cruzeiros tem suas peculiaridades. As ocorrências se dão em bares, teatros, piscinas, e uma infinidade de locais inimagináveis, a maioria com grande fluxo de pessoas. Por exemplo, circular com o passageiro em óbito da sua cabine até o hospital, passando por inúmeros hóspedes no meio do caminho, pode render situações inusitadas, e exige criatividade para evitar causar pânico entre os demais passageiros … risos”.

Daniel ressalta que trabalhou em escala de revezamento, executando um plantão de 12 horas diurno, seguido por um plantão noturno, com folga no terceiro dia.  A rotina do enfermeiro em navios de cruzeiro pode variar bastante de acordo com o porte da companhia de navegação, tamanho do navio e outros fatores.

Daniel finaliza dizendo: “Certa vez ouvi do comandante do navio: a sua função é uma das mais importantes deste barco”. É necessário estar imbuído deste espírito de responsabilidade e compromisso com o trabalho, para que a atuação do Enfermeiro em navios de cruzeiros possa elevar ainda mais a imagem do profissional perante a opinião pública. 

José Luiz S. Junior

Enfermeiro José Luiz S. JuniorEnfermeiro brasileiro, formado pela Universidade Metropolitana de Santos há seis anos, Pós-graduado em Enfermagem do Trabalho, decidiu, após ser aprovado no concurso da Petrobrás e trabalhar na área de gestão de unidades offshore, explorar esse campo de atuação. Já possuía experiência em atendimento em Pronto Socorro e, atualmente, é membro do Grupo de Trabalho de Saúde do Trabalhador do COREN/SP.

José Luiz conta que o trabalho pode ser em escala 14 x 14 ou 14 x 21 em regime de confinamento, em jornada de 12 horas, normalmente das 7:00 às 19:00, e sobreaviso no período noturno. Ressalta que, como as unidades ficam em alto mar, a mais de 180 km da costa, o transporte até a plataforma é feito por helicóptero.

Segundo José Luiz, o ambiente exige muita autonomia do profissional, no que diz respeito às habilidades técnicas e conhecimentos para atuar na saúde ocupacional e, também, nas situações de emergência.

José Luiz diz que, “nas unidades offshore, há pessoas de várias regiões do país e do mundo, uma verdadeira mistura de culturas, porém, a empresa padroniza os procedimentos para que todos sigam as mesmas regras e tenham os mesmos hábitos de saúde, como alimentação, prática de atividade física, higiene pessoal, convívio, entre outros. Diante desta situação, o enfermeiro se torna a referência e o ponto principal da saúde na unidade offshore, agindo como autoridade de saúde”.

Ele relata que a estrutura física e recursos de saúde atendem às legislações da Marinha e também aos Protocolos de Suporte Básico e Avançado de Vida, estabelecidos pelo Ministério da Saúde e ANVISA e que a atuação do enfermeiro nos atendimentos conta com suporte de telemedicina praticado por vídeo conferência, em tempo real, com o médico que fica onshore (base em terra).

Em relação às atividades, ele aponta que o enfermeiro offshore, equilibra suas atividades entre saúde ocupacional, promoção da saúde, vigilância sanitária e atendimentos de emergência, mas, que a atividade predominante é a Vigilância em Saúde, com foco na Segurança Alimentar para evitar doenças transmitidas por alimentos. Além, dessas ações, o enfermeiro realiza a rotina de atendimentos, dentro do ambulatório de saúde da unidade.

Ele alerta que, essa modalidade tem características muito peculiares, dependendo de sua atividade principal. Essas características geram riscos à saúde do trabalhador que devem ser controlados, para que não ocorra o adoecimento ou qualquer acidente que possa limitar ou impedir que o trabalhador exerça sua função.

As principais vantagens apontadas por ele em relação à essa área são: o salário diferenciado, a capacitação e os benefícios fornecidos pela empresa, a autonomia profissional e, acima de tudo, o respeito da empresa pelo trabalho do profissional de saúde.

Jose Luiz finaliza dizendo: “A vida offshore é limitada para quem tem dificuldades para ficar longe da família por muito tempo e para quem não gosta de atividades em regime de confinamento, pois as únicas coisas que se vêem por todo lado são a água e o horizonte, além da companhia maravilhosa de peixes, golfinhos e até baleias”.

Como ingressar

Para ingressar nessas modalidades, basta participar de concursos, procurar agências especializadas em trabalho a bordo ou se inscrever diretamente nas companhias marítimas – são mais de 20 distribuídas pelo mundo.

Em geral, as entrevistas são feitas via Skype, em português e inglês.

Algumas agências de recrutamento e seleção de tripulantes para serviços marítimos

Algumas empresas marítimas

Algumas dicas essenciais

  • Invista em ter boa fluência em inglês e espanhol – isso te dará autonomia e dispensará a tradução (que pode ser benéfica ou prejudicial, caso não seja bem-feita)
  • Faça cursos de atualização – esteja sempre atualizado com as novidades e avanços da profissão.
  • Escolha a agência mais perto de sua residência – Aquaviário, especificamente transatlânticos.

Caso seja aprovado no processo seletivo, a maioria das empresas solicita:

  • Passaporte com pelo menos um ano de validade a partir da data de embarque
  • Exames médicos
  • Curso de Treinamento Básico de Segurança Marítima (requisito obrigatório para trabalhar em transportes marítimos)
  • Atestado de antecedentes criminais

Essa modalidade é uma opção de trabalho que possibilita ao enfermeiro viajar e conhecer vários países e suas culturas, mas que, em contrapartida, impõe distância aos membros da sua família.

Há carência de enfermeiros brasileiros bilíngues e com os pré-requisitos necessários para atuar nessa área. Você está disposto?

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