Síndrome Hiperosmolar Não Cetótica

Recentemente uma aluna me procurou para perguntar se o site não tinha nenhum post sobre a Síndrome Hiperosmolar Não Cetótica, pois ela havia pesquisado e não havia encontrado.

Disse que seria muito útil ter essa informação, uma vez que a maioria das profissionais têm dúvidas para diferenciar a Síndrome Hiperosmolar da Cetoacidose Diabética (sobre a qual já escrevi aqui) – ambas complicações agudas do Diabetes Mellitus. Então, resolvi escrever sobre esse assunto e esclarecer alguns pontos importantes.

Definição

É uma complicação aguda do Diabetes, que ocorre, geralmente, em pacientes com Diabetes tipo II e com mais de 50 anos, caracterizada por hiperglicemia grave, hiperosmolaridade, desidratação profunda (grande perda de eletrólitos e fluídos na faixa de 6 a 10 litros) e ausência de cetoacidose (acredita-se que os níveis de insulina circulantes são suficientes para impedir a formação de corpos cetônicos).

A mortalidade gira em torno de 15%, muito superior à da Cetoacidose Diabética que é 5%.

Fatores precipitantes

  • Doenças subjacentes graves (infecção, acidente vascular encefálico, infarto do miocárdio, pancreatite, etc.) e situações de estresse metabólico como  queimaduras, transplante hepático, entre outras – a demanda metabólica excede o limite de insulina disponível.
  • Uso de medicamentos como glicocorticoides, diuréticos (ex.: tiazidas), betabloqueadores (ex.: Propanolol) e terapia imunossupressora – diminuem a secreção de insulina.

Fisiopatologia

  • Redução na concentração de insulina circulante associada à liberação excessiva de hormônios contrarreguladores, entre eles, o glucagon, as catecolaminas, o cortisol e o hormônio de crescimento.
  • Esse processo desencadeia o aumento da produção hepática e renal de glicose e redução de sua captação nos tecidos periféricos sensíveis à insulina, resultando assim, em hiperglicemia.

Portanto, a hiperglicemia é resultante da ativação da gliconeogênese, da glicogenólise (produção hepática) e da redução da utilização periférica de glicose.

  • A hiperglicemia induz uma diurese osmótica que leva à profunda depleção de volume intravascular, que é exacerbada pela reposição inadequada de líquidos. Esta diurese provoca desidratação e perda de eletrólitos.
  • A desidratação, por sua vez, aumenta a secreção de hormônios contrarreguladores e a hipocalemia dificulta a secreção pancreática de insulina, aumentando a glicemia. Desse modo, perpetua-se o ciclo.

A concentração de insulina, apesar de inadequada para promover a utilização de glicose nos tecidos periféricos, é suficiente para impedir a lipólise acentuada e a cetogênese. Por esse motivo não estão presentes corpos cetônicos.

Manifestações clínicas

  • Inicialmente – astenia poliúria, polidipsia
  • Desidratação acentuada (mucosas secas, turgor cutâneo diminuído, pulsos periféricos diminuídos) – que pode levar o paciente ao estado de choque
  • Hipotensão arterial – neste caso pode ocorrer acidose lática
  • Taquicardia
  • Taquipnéia
  • Manifestações neurológicas difusas como: letargia, confusão mental, convulsões, delírio e coma
  • Manifestações neurológicas focais como: nistagmo, hemiparesia, hemiparestesia, afasia, hemianopsia – esses sinais são semelhantes aos do Acidente Vascular Encefálico (AVE)

Atenção: Não estão presentes a respiração de Kussmaul (rápida e profunda) e nem o hálito cetônico. Esse fato ajuda a diferenciar a SHNC da Cetoacidose Diabética (CAD).

Principais achados laboratoriais

  • Glicemia de 600 mg/dl a 2000mg/dl – frequentemente igual ou maior que 1000mg/dl
  • Osmolaridade sérica elevada – maior que 320 mOsm/l
  • Cetonúria negativa ou fracamente positiva (+)
  • Níveis séricos de ureia e creatinina podem estar elevados, em consonância com o grau de desidratação – choque circulatório
  • Fostato menor que 1,0 mg/dl – (não é comum, mas pode ocorrer)
  • Níveis iniciais de sódio plasmático podem ser altos, normais ou baixos – depende das perdas relativas de sódio e água na urina e pelo sequestro intracelular secundário à hiperglicemia
  • O potássio é habitualmente baixo, porém a deficiência é menos grave do que na CAD, por não haver acidose
  • Hematócrito pode se elevar por hemoconcentração e desidratação

Tratamento

O objetivo primordial do tratamento é a manutenção da perfusão tecidual –  a qual pode estar muito comprometida pela desidratação – e a correção de distúrbios metabólicos e fatores desencadeantes.

  • Reposição hídricasolução salina isotônica (NaCl 0,9%) – 15 a 20 ml/kg/h para expansão intra e extracelular. Se o nível de sódio estiver elevado, é indicada solução salina hipotônica (NaCl 0,45%).  Além da hidratação, a reposição hídrica pode levar a redução significativa da hiperglicemia, independentemente da administração de insulina.
  • Reposição de potássio – KCl 19,1% – Associar de 10 a 30 mEq ao esquema de hidratação se o potássio sérico estiver menor que 5,3 a maior que 3,3.
  • Reposição de fósforo – adicionar 20 a 30 mEq/l de fostato de potássio em um dos soros do esquema de hidratação, se fosfato menor que 1,0 mg/dl.
  • Insulinoterapia – a reposição insulínica é feita por via endovenosa com insulina de regular 0,14 U/Kg/h. Pode ser utilizada 0,3 U/Kg seguida de 01,U/Kg/h de insulina subcutânea ultrarrápida até a glicemia ficar menor que 250 mg/dl
  • Tratamento do fator precipitante

Algumas complicações

  • Edema cerebral – resulta da redução rápida da osmolaridade plasmática.
  • Hipocalemia – o potássio geralmente diminui já nas primeiras horas de tratamento, pois entra na célula juntamente com a glicose induzida pela insulina, assim como também pela expansão do volume extracelular com a hidratação
  • Hipoglicemia – pode ser o resultado da administração excessiva de insulina durante o tratamento inicial ou da manutenção da insulina sem a reposição concomitante de soro glicosado 5% após a obtenção de glicemias iguais ou menores que 250 mg/dl.
  • Edema pulmonar – ocorre mais comumente em idosos e/ou com doença cardíaca, decorrente da redução da pressão coloidosmótica, resultando em um aumento de água pulmonar e diminuição da sua complacência.

A abordagem do enfermeiro

  • Providenciar monitorização cardíaca – risco de arritmias por alterações de potássio
  • Manter as vias aéreas pérvias – se paciente sonolento ou inconsciente
  • Administrar oxigênio conforme a prescrição médica – mantendo saturação acima de 92%
  • Obter acesso venoso, de preferência central
  • Colher amostra de sangue para hemograma, gasometria arterial e indicadores de função renal
  • Realizar glicemia capilar
  • Monitorar o estado de hidratação: turgor cutâneo, sinais vitais
  • Monitorar o estado neurológico
  • Promover a segurança do paciente – se apresentar alteração neurológica, cognitiva
  • Monitorar a pressão venosa central (PVC)
  • Monitorar os resultados de exames laboratoriais
  • Realizar controle de diurese e balanço hídrico
  • Verificar a necessidade de sondagem nasogástrica e vesical – rebaixamento de sensório

Referências

  • Neto DL, Pires AC. Crises hiperglicêmicas agudas no diabetes mellitus. Aspectos atuais. Rev. Bras. Clin. Med. 2010;8(3):246-53.
  • Freitas MCF, Foss MC. Cetoacidose diabética e estado hiperglicêmico hiperosomolar . Simpósio: Urgências e Emergências Endócrinas, Metabólicas e Nutricionais, 36: 389-393, abr./dez, capítulo V. Medicina, Ribeirão Preto, 2003.
  • Timby BK, Smith NE. Enfermagem Médico Cirúrgica. 8ª edição. Barueri, São Paulo: Manole, 2005.
  • Quaresemin C, Sakae TM. Alterações do sensório e exames laboratoriais no coma hiperosmolar não-cetótico. Arquivos Catarinenses de Medicina, 2011.
  • Cardoso GP, Silva Jr CT, Cardoso RBB. Estados hiper e hipoglicêmicos agudos: conduta atual. JBM, març/abr; v. 101, no 2, 2013.
  • Protocolo Assistencial de Manejo da Cetoacidose e Estado Hiperglicêmico Hiperosmolar. Hospital Universitário de Santa Maria, 2011.
  • Barone et al. Cetoacidose Diabética em Adultos – Atualização de uma Complicação Antiga. Arq. Bras. Endocrinol. Metab.,51:9, 2007.
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