Olá pessoal!
Hoje vou dividir com vocês uma polêmica vivida em sala de aula, na semana passada.
Discutimos muito a respeito da obrigatoriedade de os pacientes conscientes permanecerem despidos, enquanto estão internados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde essa exigência é atribuída às necessidades de se manipular o corpo, prestar assistência e estar preparado para situações de emergência.
Mas será mesmo necessário permanecer totalmente despido? Poderiam os pacientes conscientes ficar, pelo menos, com poucas peças de roupas que pudessem ser facilmente removidas, cortadas ou mesmo rasgadas, caso uma situação de emergência se evidencie?
Acredito que essa regra, imposta no passado, tornou-se obsoleta, ultrapassada, justo hoje que prezamos tanto pela qualidade da assistência e pela individualização do cuidado prestado.
Espero, com este post, promover a reflexão dos profissionais em relação ao zelo com a privacidade dos pacientes conscientes quando se faz necessária a exposição corporal, permitindo emergir a sensibilidade como princípio essencial na prática do cuidado.
O problema da privacidade
Para um indivíduo doente, estar despido pode significar desconforto e gerar embaraço, já que sua privacidade está comprometida.
O conceito de privacidade pode ser elucidado sob dois aspectos distintos:
- O primeiro é situado no controle que o indivíduo exerce sobre o acesso de outro a si próprio
- O segundo determina a privacidade como uma condição ou estado de intimidade. Ela compreende o direito do paciente de resguardar o seu corpo da exposição e da manipulação por outro. (Pupulin, 2002 / Loch, 2003)
Quando há perda da privacidade e exposição corporal, estas podem implicar em severas consequências para o indivíduo, como a perda de sua identidade e de sua individualidade. (Bettinelli et al, 2010)
É de ação comum que o ser humano procure instintivamente preservar a sua intimidade. Quando ela é invadida, surgem a vergonha, o receio e a inquietação, principalmente nos pacientes manipulados durante a realização de procedimentos em UTI.
O indivíduo hospitalizado depende, total ou parcialmente, da equipe de enfermagem para suprir suas necessidades básicas, e essa situação abarca a exposição corporal e a invasão da privacidade. O profissional de enfermagem, por ser responsável pela assistência integral, é o que mais tem contato direto com o corpo do paciente.
Esse assunto foi tema de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da minha orientanda, hoje enfermeira, Giselle Nascimento de Andrade, em 2013, e pelo fato de promover a reflexão dos profissionais, foi apresentado e publicado (resumo nos anais) no XIV Colóquio Panamericano de Investigación en Enfermería, em Cartagena de Índias, na Colômbia.
A escolha do tema se deu frente às situações presenciadas na UTI, onde os pacientes experimentam a nudez e a falta de privacidade, que, juntas, constituem um problema a ser encarado e tratado pelos profissionais de enfermagem.
No trabalho, buscava-se respostas para as questões:
- Quais as representações sociais para os pacientes internados em UTI Cardiológica sobre a exposição corporal?
- Quais os sentimentos vivenciados pelos pacientes sob a perspectiva de ter o seu corpo exposto?
A investigação ocorreu em duas Unidades de Terapia Intensiva Cardiológica, por meio de questões direcionadas aos 15 pacientes internados, participantes da pesquisa.
Destaco algumas respostas:
Como está sendo a experiência de exposição corporal (estar despido) durante a sua estadia na UTI?
“É muito ruim. Eu fico com muita vergonha, os enfermeiros chegam tirando suas roupas sem avisar te deixam apenas com lençol e você não pode escolher se quer ou não ficar sem uma camisola”.
”… Difícil, pessoas de idade como eu, não tem o costume de ficar assim desse jeito, sem uma roupa ou uma camisola”.
“Não é muito boa, fico bem sem graça. Eu acho que ninguém gostaria de ficar pelada na frente de gente que você nem conhece…”.
“No começo da doença foi difícil, pois era tudo novo e eu sou muito tímido, então não era fácil ficar nu na frente de estranhos, mesmo sabendo que eram enfermeiros”.
“Por ser tímido, vou falar para você que está sendo bem difícil. É estranho ficar sem nada e para pior a situação só tem mulher aqui durante o dia. Elas vem aqui, tiram meu lençol e vêem tudo, isso é muito difícil pra mim”.
“Para mim esta experiência está sendo estranha, nunca tinha ficado em UTI, não sabia que não podia usar roupa aqui. Acho que uma camisola não iria atrapalhar em nada, mas eles dizem que aqui é assim, vou falar o quê? Isso está me incomodando muito…”.
Quais os sentimentos que você vivenciou quando o seu corpo estava exposto?
“Vergonha, insegurança de alguém vir e tirar o meu lençol que agora é a única coisa que me cobre”.
“Me senti muito mal mesmo, com vergonha dessas meninas jovens. Além de ficar descoberta, elas tocam em tudo sem me falar nada. É uma situação muito chata mesmo”.
”… De medo, de embaraço”.
“Meus sentimentos são de insegurança, de exposição. Fico inibido com essa situação, quem não ficaria?”.
“Foram os piores possíveis”.
”… De irritação, nervosismo, frustração, é tudo isso junto e mais outras coisas que me incomodam. Eu cubro uma parte e as enfermeiras descobrem, não precisa me deixar todo pelado”.
“… foram de vergonha, não dá para ficar à vontade enquanto você fica deitado, impotente e outras pessoas passam por ali e vêem você como veio ao mundo. É bastante constrangedor”.
“É um pouco humilhante a situação, nesse momento a gente sente de tudo, desde vergonha, inibição. Eu sinto muito frio também…”.
Como vemos, os sentimentos mais vivenciados foram a vergonha e o constrangimento por ter o corpo despido na frente de pessoas estranhas.
No cotidiano, os indivíduos expõem a nudez por livre e espontânea vontade para pessoas com elevado grau de intimidade, geralmente em locais privativos. Na hospitalização ocorre o contrário: a nudez é imposta perante pessoas totalmente desconhecidas.
A interação entre o paciente e a equipe é fundamental para estabelecer um vínculo afetivo, pois com isso ocorre a compreensão dos sentimentos do indivíduo e a confiança adquirida possibilita tornar a situação menos traumática.
Qual sua opinião?
E você, o que acha?
O fato de poder permanecer com roupas contribuiria para tornar essa experiência menos desagradável? Já vivenciou algum caso semelhante com pacientes seus?
Escreva seu comentário ou opinião na área de comentários abaixo. Obrigada!
Doutora em Ciências (EEUSP), pós-graduada em Administração Hospitalar (UNAERP) e Saúde do Adulto Institucionalizado (EEUSP), especialista em Terapia Intensiva (SOBETI) e em Gerenciamento em Enfermagem (SOBRAGEN). É professora titular da Universidade Paulista no Curso de Enfermagem, e professora do Programa de Especialização Lato-sensu em Enfermagem em Terapia Intensiva e Enfermagem do Trabalho na Universidade Paulista.