Hoje escrevo sobre a oxigenoterapia hiperbárica e a atuação do enfermeiro.
Conceito
A oxigenoterapia hiperbárica (OHB) é uma modalidade terapêutica que consiste na inalação intermitente de oxigênio puro (100%) sob uma pressão atmosférica maior do que 1 atmosfera (ATA), geralmente 2 a 3 atmosferas.
A elevada pressão parcial de oxigênio no ar inspirado determina um aumento nos níveis de oxigênio dissolvidos no plasma sanguíneo (hiperóxia). Esse estado é conseguido utilizando-se ambientes fechados, denominados câmaras, que podem ser:
- Monopaciente (para um paciente) – pressurizadas com oxigênio puro
- Multipaciente (para vários pacientes) – por meio de máscaras que fornecem oxigênio a 100% e o ambiente interior é pressurizado com ar comprimido
A OHB faz parte da Medicina de Mergulho e teve sua origem na Marinha do Brasil em 1967, com a primeira câmara hiperbárica instalada na Base Almirante Castro e Silva (BACS) – Força de Submarinos. (Caixeta, 2003)
Como funciona
Essa terapêutica é fundamentada em leis físicas que explicam seu mecanismo de ação. (Lacerda et al, 2006)
- Lei de Dalton – a pressão total de um gás equivale à soma das pressões parciais deste gás na mistura, ou seja, na medida em que aumentamos a pressão dentro da câmara hiperbárica, aumentamos as pressões parciais dos gases na câmara.
- Lei de Henry – à medida que aumentamos a pressão de um gás sobre um líquido, aumentamos a solubilidade deste gás no líquido, ou seja, à medida que aumentamos a pressão dentro da câmara hiperbárica, aumentamos a quantidade de gás dissolvido nos líquidos do nosso corpo.
- Lei de Boyle – o volume de um gás é inversamente proporcional à pressão deste gás, mantendo-se a temperatura constante, ou seja, à medida que se aumenta a pressão dentro da câmara, diminui-se o volume aéreo nas cavidades e viceversa.
Com a oferta de oxigênio puro, a quantidade de oxigênio dissolvida no plasma pode chegar a 6 vol%, quantidade suficiente para atender a demanda tecidual de oxigênio de um adulto em repouso, independente do conteúdo transportado pela hemoglobina.
Em 2 a 3 ATA a pressão de oxigênio pode chegar a 400mmHg, e esse aumento de tensão de oxigênio tecidual pode facilitar o combate a infecções (auxílio aos leucócitos para fagocitar as bactérias), acelerar a síntese de colágeno pelos fibroblastos e a neoangiogênese, aumentando a proliferação tecidual e formação de tecido de granulação, além de promover uma vasoconstrição não hipóxica que diminui o edema e pode recuperar tecidos submetidos a queimaduras e isquemias traumáticas.
Antes de se falar indicações e contraindicações, é importante conhecer os efeitos sistêmicos da OHB, descritos a seguir. (Knobel et al, 2009)
Sistema cardiovascular
- Aumento da resistência vascular sistêmica
- Vasoconstrição periférica
- Bradicardia
Sistema nervoso
- Diminuição do fluxo sanguíneo cerebral
- Melhora da função dos neurônios (em caso de isquemia e reperfusão)
Sistema respiratório
- Depressão da atividade dos receptores carotídeos e aórticos
- Aumento no conteúdo arterial de oxigênio
- Hipoventilação inicial seguida de picos de hiperventilação
Sistema hematológico
- Aumento da atividade dos neutrófilos
- Redução da agregação plaquetária
- Aumento da elasticidade dos glóbulos vermelhos
Sistema renal e metabólico
- Diminuição do fluxo plasmático renal
- Diminuição da produção de lactato (estados de hipóxia)
- Aumento de radicais livres
Indicações – (Conselho Federal de Medicina – Resolução CFM Nº 1.457/95)
- Embolia traumática pelo ar
- Doença descompressiva
- Envenenamento por monóxido de carbono ou inalação de fumaça
- Envenenamento por cianeto ou derivados cianídricos
- Síndrome de Fournier (fasceíte necrosante de períneo e parede abdominal que tem origem no pênis e escroto (no homem) e na vulva e virilha (na mulher)
- Gangrena gasosa
- Embolia gasosa
- Infecções necrotizantes: celulites, fasceítes e miosites
- Vasculites agudas de etiologia alérgica, medicamentosa ou por toxinas biológicas (aracnídeos, ofídios e insetos)
- Anemia aguda
- Isquemias agudas traumáticas: lesão por esmagamento, síndrome compartimental, reimplantação de extremidades amputadas e outras;
- Lesões por pressão
- Queimaduras térmicas e elétricas;
- Lesões refratárias: úlceras de pele, lesões pré-diabéticas, lesões por pressão, úlcera por vasculites auto-imunes, deiscências de suturas
- Lesões por radiação: radiodermite, osteorradionecrose e lesões actínicas de mucosas
- Retalhos ou enxertos comprometidos ou de risco; osteomielites e
- Anemia aguda (nos casos de impossibilidade de transfusão sanguínea).
Contraindicações
São classificadas em absolutas e relativas:
Absolutas
- Pneumotórax não drenado
- Instabilidade hemodinâmica
- Gravidez
- Drogas antineoplásicas (Doxorrubicin, Dissulfiran, Cisplatina, Ciclofosfamida)
Relativas
- Processos obstrutivos das trompas de Eustáquio ou dos seios cranianos
- História de pneumotórax espontâneo
- Cirurgias prévias de ouvido
- Cirurgias prévias de tórax
- Claustrofobias severas
- Pós-operatório imediato com anestesia peridural
- Convulsões
- DPOC com retenção de CO2
- Infecções de vias aéreas superiores
- Infecções virais
- Esferocitose congênita (anemia hemolítica)
Complicações
- Barotrauma de ouvido médio – quando não há equalização das pressões no ouvido médio, por meio da trompa auditiva
- Embolia arterial gasosa (complicação grave) – quando o paciente não exala o ar dos seus pulmões, e o ar proveniente da ruptura pulmonar entra na circulação arterial
- Toxicidade neurológica – crise convulsiva e parestesias por irritação cortical devido à pressão de oxigênio elevada
- Toxicidade pulmonar – por exposição prolongada
- Desconforto em seios da face – por aumento da pressão
- Aceleração do processo de opacificação do cristalino– piora da catarata
A indicação da OHB é de exclusivacompetência médica. Entretanto, o profissional enfermeiro exerce papel importante na avaliação prévia do paciente, na sistematização da assistência, na orientação ao paciente e familiares, no acompanhamento do procedimento, da evolução das lesões e dos curativos.
Atuação do enfermeiro
- Realizar a sistematização da assistência de enfermagem dos pacientes submetidos à terapia hiperbárica
- Supervisionar todos os cuidados de enfermagem prestados pela equipe de enfermagem
- Gerenciar a equipe de enfermagem
- Prestar cuidados aos pacientes críticos
- Participar na elaboração dos protocolos operacionais
- Participar na elaboração do programa de gerenciamento de resíduos do serviço
- Identificar possíveis complicações durante o procedimento
- Monitorar efeitos colaterais
Referências
- CAIXETA, M.A.F. Manual de Oxigenoterapia Hiperbárica. Rio de Janeiro (RJ): Marinha do Brasil, 2003.
- CASTRO, J.B.A; OLIVEIRA, B.G.R.B. Hyperbaric Oxygen Therapy in the Treatment of Tissular Lesion, v.2, n. 3, p.36-45, 2003.
- KNOBEL, E; LASELVA, C.R.; MOURA JUNIOR, D.F. Terapia Intensiva: enfermagem.
- São Paulo: Atheneu, 2009.
- LACERDA, et al. Atuação da enfermagem no tratamento com oxigenoterapia hiperbárica. Rev. Latino-Am. Enfermagem, v14, n. 1, p. 118-123, Jan/Fev, 2006.
- ROSSI, J.F.M. R. Uso da Oxigenoterapia Hiperbárica em Pacientes de um Serviço de Reumatologia Pediátrica. Rev Bras Reumatol, v. 45, n. 2, p. 98-102, mar./abr., 2005.
Doutora em Ciências (EEUSP), pós-graduada em Administração Hospitalar (UNAERP) e Saúde do Adulto Institucionalizado (EEUSP), especialista em Terapia Intensiva (SOBETI) e em Gerenciamento em Enfermagem (SOBRAGEN). É professora titular da Universidade Paulista no Curso de Enfermagem, e professora do Programa de Especialização Lato-sensu em Enfermagem em Terapia Intensiva e Enfermagem do Trabalho na Universidade Paulista.