Monitorização da pressão intra-abdominal

A instalação e a mensuração da pressão intra-abdominal são procedimentos de enfermagem e, para isso, os profissionais envolvidos necessitam conhecimento científico para executá-los adequadamente e garantir uma assistência com o menor índice de complicações.

Conceito (Viana, 2011)

A pressão intra-abdominal (PIA) é definida como a pressão uniforme e oculta no interior da cavidade abdominal, proveniente da interação entre a parede abdominal e as vísceras em seu interior, oscilando de acordo com a fase respiratória e a resistência da parede abdominal.

  • Valor normal no adulto – até 5mmHg
  • Valor em pacientes obesos – entre 10 a 15mmHg 
  • Valor em pacientes críticos – entre 5 a 7mmHg.

Considera-se hipertensão intra-abdominal (HIA) quando, após três mensurações com intervalos de 4 a 6 horas, a PIA encontra-se maior que 12mmHg, podendo evoluir para a Síndrome Compartimental Abdominal (SCA) quando ocorre a manutenção da PIA em níveis maiores que 20mmHg.

Fisiopatologia

O compartimento abdominal possui complacência limitada e, quando é exercida uma pressão acima da fisiológica, ocorre alteração da perfusão tecidual das vísceras e alças abdominais. 

A persistência da isquemia gera mediadores inflamatórios que elevam a permeabilidade vascular e o edema intersticial, diminuindo o volume intravascular e aumentando a PIA. 

O fluxo de retorno venoso diminui, reduzindo ainda mais a perfusão capilar. Segue-se um ciclo que se retroalimenta, culminando na diminuição dos fluxos sanguíneos: hepático, esplênico, renal, da veia cava inferior e do retorno venoso para o coração.

Classificações da SCA

Primária: condição associada às lesões ou doenças na região abdominal ou pélvica (trauma, transplantes, pancreatite, aneurisma aórtico abdominal roto).

Secundária: condição associada às condições extrínsecas à região abdominal e pélvica (sepse, queimaduras, extravasamento capilar, perda acentuada de fluídos).

Terciária: condição que persiste após a realização de laparotomia descompressiva, também denominada síndrome compartimental aberta ou recorrente.

Indicações de monitorização da PIA

Pacientes com risco de desenvolver hipertensão intra-abdominal ou síndrome compartimental aguda, que ocorre quando há aumento de pressão num espaço anatômico fechado, ou seja, o conteúdo do abdome se expande além da cavidade abdominal.

Algumas situações associadas a esse risco:

  • Trauma fechado ou penetrante
  • Cirurgia abdominal
  • Fraturas pélvicas
  • Pancreatite hemorrágica
  • Cirrose
  • Transplante renal
  • Pneumoperitônio
  • Ruptura de aneurisma de aorta
  • Ascite
  • Neoplasias
  • Pré-eclampsia
  • Obstrução intestinal

Sinais associados ao início ou presença de HIA e SCA

  • Bradicardia
  • Hipotensão arterial
  • Oligúria evoluindo para anúria
  • Aumento da pressão inspiratória
  • Hipercapnia e hipoxemia – aumento da pressão intracraniana
  • Rigidez abdominal

Alterações fisiológicas associadas à HIA e SCA (Knobel et al, 2009)

Sistema cardiovascular (o aumento da PIA impede o retorno venoso): aumento da pressão venosa central, da pressão da artéria e capilar pulmonares e da resistência vascular periférica, aumento do débito cardíaco e diminuição do retorno venoso.

Sistema renal (o aumento da PIA comprime o parênquima renal, reduzindo o fluxo e a diurese): diminuição do fluxo sanguíneo renal, diminuição da pressão de filtração glomerular e do débito urinário.

Sistema pulmonar (o aumento da PIA provoca aumento da pressão intratorácica e limita a excursão diafragmática, hipoventilação e hipóxia): aumento da pressão intratorácica, aumento do pico de pressão inspiratória e diminuição da complacência pulmonar.

Sistema neurológico (o aumento da PIA dificulta o retorno venoso do cérebro, aumentando a congestão venosa cerebral): aumento da pressão intracraniana, e diminuição da perfusão cerebral.

Sistema gastrointestinal (o aumento da PIA reduz a perfusão dos órgãos abdominais): diminuição do fluxo celíaco e portal, diminuição do clearance de lactato, diminuição do fluxo sanguíneo para as mucosas.

Mensuração da PIA

Geralmente a mensuração é realizada usando a técnica intravesical, já que a bexiga age como um reservatório passivo e reflete com precisão a PIA. Entretanto, outras técnicas podem ser utilizadas como: medição direta intraperitoneal (cateter de diálise peritoneal), medição intragástrica (sonda nasogástrica) e medição retal (cateter intracolônico).

Observação: a medida exata exige livre movimentação da parede abdominal. Portanto, diante de situações como aderências intraperitoneais, massas abdominais, bexiga neurogênica, hematomas pélvicos, a pressão da bexiga pode ser imprecisa. 

Materiais e equipamentos necessários

  • Luvas estéreis
  • Material para sondagem vesical
  • Sonda vesical Foley (3 vias)
  • Coletor de drenagem sistema fechado
  • Equipo de macrogotas
  • Soro fisiológico (SF) 0,9% de 500 ou 1000ml (2 frascos)
  • Torneira de 3 vias
  • Bolsa pressurizadora
  • Monitor cardíaco com sistema de pressão invasiva
  • Cabo de pressão
  • Sistema transdutor de pressão

Procedimento (Knobel et al, 2009 e World Society ofthe Abdominal Compartment Syndrome -WSACS)

  • Higienizar as mãos
  • Realizar a cateterização vesical (técnica asséptica)
  • Conectar a sonda ao sistema de drenagem fechado
  • Posicionar o paciente em decúbito dorsal horizontal (posição supina)
  • Montar o sistema de transdutor de pressão e preenche-lo com SF, pressurizando o frasco com 300mmHg
  • Preparar o SF (com escala de graduação de volume) e conectá-lo ao equipo
  • Conectar o sistema pressurizado ao cabo transdutor e adaptá-lo ao módulo de pressão invasiva do monitor
  • Conectar a torneira de 3 vias na terceira via da sonda vesical Foley e em seguida, os equipos do pressurizador e do SF nas outras duas vias da torneira
  • Zerar o sistema com a pressão atmosférica (na linha axilar média, ao nível da crista ilíaca): abrir a torneira de 3 vias do transdutor de pressão para o ar ambiente e fechar para o paciente, acionando a tecla zero do monitor
  • Clampear o sistema de drenagem na parte distal da conexão do coletor de drenagem 
  • Fechar a torneira de 3 vias, conectá-la ao equipo com transdutor e abri-la para o equipo contendo SF. Infundir rapidamente 25ml da solução (mensurar o valor infundido usando a escala de graduação).

Observação: A técnica original de Kron et al. foi descrita com a infusão de 50 a 100ml. Entretanto, a World Society of the Abdominal Compartment Syndrome (WSACS) preconiza 25 ml.

  • Fechar a pinça do equipo com o SF e abrir a torneira de 3 vias para o equipo com transdutor
  • Visualizar as ondas no monitor. Medir a pressão intra-abdominal ao final da expiração, quando não há contração abdominal (relaxamento do músculo detrusor da bexiga), o que ocorre cerca de 30 a 60 segundos após a instilação do líquido. Após obter o valor numérico na tela do monitor, abrir a drenagem da sonda vesical

Potenciais complicações do procedimento

  • Infecção do trato urinário
  • Desconforto abdominal

Referências

Canaan Júnior A et al. Síndrome do compartimento abdominal e hipertensão intra- abdominal. Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 2): S59-S63.

Knobel E, Laselva CR, Moura Junior DF. Terapia Intensiva: enfermagem. São Paulo: Atheneu, 2009.

Milanesi R, Caregnato RCA. Pressão intra-abdominal: revisão integrativa. Rev. Einstein (São Paulo), vol.14 no.3, July/Sept, 2016. 

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