No artigo de hoje, em vez dos temas técnicos e clínicos habituais, peço licença aos leitores do site para contar um pouco da história de uma amiga e profissional incrível, cuja trajetória – não me canso de dizer – deveria ser inspiração para todos, não importa em que área atuem, em algum momento de suas vidas.
Trata-se da história da enfermeira Cely de Oliveira.
Ela partiu de uma situação extremamente desfavorável. Tinha um sonho profissional – cuidar de pessoas – que parecia inalcançável e poucos recursos para persegui-lo. No entanto, sua perseverança, foco e dedicação fizeram toda a diferença.
Publico abaixo um trecho da entrevista que ela concedeu à revista do SEESP – Sindicato dos Enfermeiros do Estado de São Paulo, que gentilmente permitiu a republicação aqui no site. Eu volto depois da entrevista.
A entrevista
CONEXÃO SEESP – Quando começou o seu gosto pela área de saúde?
CELY – Eu queria trabalhar numa área que eu pudesse cuidar de pessoas que tiveram o mesmo problema da minha mãe, que morreu de câncer no intestino. Só que por coincidência, eu acabei cuidando do meu pai, que sofreu um acidente de trabalho, fraturou o pé, e durante essa reabilitação foi descoberto que ele teve um problema sério de degeneração óssea, por conta do alcoolismo e também em decorrência de ter trabalhado em indústria durante muitos anos. Acabei cuidando dele quando ficou bastante doente. Agora ele está saudável, graças a Deus. Usa cadeira de rodas, mas saudável.
Como eu já tinha o sonho de fazer o curso de enfermagem, meu pai foi comigo fazer a matrícula para Atendente de Enfermagem, que era uma vez por semana.
Nós não tínhamos recursos, mas eu fui trabalhar com uma senhora como doméstica e ela fez o avental e me deu o termômetro de presente. Quando estava prestes terminar, entrei na Santa Casa de Santos, trabalhei lá durante um ano e oito meses. Comecei em 1986. Foi meu primeiro registro em carteira como atendente de enfermagem.
CONEXÃO SEESP – Você também teve bastante dificuldade para começar a faculdade de enfermagem, não é?
CELY – Sim. Em 1994 eu prestei o vestibular para enfermagem na UniSantos, mas não tinha condições de pagar. Sempre fui arrimo de família, só tinha dinheiro pra sustentar a casa. Mas um dos amigos de meu pai tem uma esposa que era secretária da faculdade. Ela me orientou a tentar bolsa. Consegui 50% da bolsa, já dava para pagar. Nessa mesma época, um médico, o Dr. Paulo Dib, a quem sou muito grata, me levou para trabalhar em seu consultório. Ele me deu dinheiro para a matrícula. Eu trabalhava de manhã no Hospital São Lucas de Santos e à tarde no consultório. Enfim, o universo foi conspirando. Eu falo isso muito, quando a gente quer as coisas, as portas vão se abrindo.
CONEXÃO SEESP – Sempre trabalhando…
CELY – Sempre trabalhando, nunca parei. Houve uma época que eu estudava de manhã na faculdade, à tarde eu ia para o Beneficência Portuguesa e a noite dava plantão na Casa de Saúde Anchieta. Até que na faculdade eu conheci uma irmã, amiga, uma pessoa extremamente importante na minha vida, a Marlene.
CONEXÃO SEESP – Com ela que você foi estudar no Einstein?
CELY – Sim. Nós já estávamos no terceiro ano. Ela me disse: “Arruma toda a sua documentação que a gente vai para o Einstein!” Eu perguntei: “No Einstein, Marlene? Lá não aceita preto!”
CONEXÃO SEESP – Por que você disse isso a ela?
CELY – Dois anos antes eu comentei: “Ainda vou trabalhar no Einstein, porque sei que lá as camas são todas elétricas!”. Aí um amigo que trabalhava conosco e também trabalhava no Einstein me falou: “Só em outra vida, porque lá não aceita preto.” Fiquei com aquilo na cabeça, contei pra ela, que falou: “Aceita sim! Nós vamos estudar lá de graça!” Arrumei os documentos e fomos.
CONEXÃO SEESP – E como foi a chegada no Albert Einstein?
CELY – Quando nós chegamos no Einstein e entramos, eu e a Marlene ficamos mudas, porque aquilo era imponente demais. Minha vontade era sair correndo. Entregamos a documentação e fomos embora. Passaram umas três semanas, Marlene me liga: “Cely! Passamos! Fomos aprovadas!” Uma festa. Depois caímos na real. A faculdade era grátis, mas tem as despesas. Eu, arrimo de família, a Marlene também, falei: “Pronto, Marlene. Danou-se.” Ela respondeu: “A gente vai conseguir!” A Margarida, que era minha chefe na Beneficência Portuguesa, me mandou embora para eu ter uma reserva. Consegui que me mandassem embora do Anchieta também, então o dinheiro deu durante um tempo. Foi um sacrifício. Estudamos e o dinheiro foi acabando. Então a Marlene costurava roupas e eu vendia. Fazia faxina, passava roupa. A gente se virou muito.
CONEXÃO SEESP – O que esses episódios na sua vida ajudaram na sua formação?
CELY – Ajudaram na minha autoestima. Eu falo para os alunos em tom de brincadeira: “eu nasci pra dar tudo errado. Negra, mulher, gorda e fui criada sem mãe”. Porque quando você é criada sem a mulher, perde um pouco da sua referência, aí chega um tio e acha que pode abusar de você — como aconteceu duas vezes. As pessoas acham que podem te fazer de empregada, só porque não tem mãe. Ter ido para o Einstein, estudado, conhecido pessoas cultas, ajudou muito minha formação pessoal e profissional também.
CONEXÃO SEESP – Não parou de estudar e realizou o sonho de entrar na USP.
CELY – Dois sonhos que realizei: trabalhar no Einstein e estudar na USP.
O que aconteceu depois
O tempo passou.
Cely jamais parou de estudar. Continua estudando.
Veja o curriculum dela hoje:
Especialista em Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental (HCFMUSP), especialista em Administração Hospitalar (UNAERP), Licenciatura Plena (FIG- GUARULHOS), especialista em Auditoria e Contas Médicas Hospitalares (CEBAM), Reiki níveis I e II (Associação Brasileira de Reiki-RJ). Mestre em Ciências (EEUSP), Doutora em Patologia Ambiental e Experimental (UNIP). Ela é professora na UNIP/Santos e na Universidade São Judas/Unimonte.
Conheci Cely na UNIP em Santos, onde também leciono.
Ela é extremamente querida e admirada por todos os alunos e professores, não só por ser uma profissional exemplar e uma professora incrível, cheia de alegria contagiante, mas por tornar transparente a sua história de vida e mostrá-la a todos como um exemplo de superação de dificuldades.
Conclusão
O sucesso de Cely é diretamente proporcional ao resultado de seu esforço e de seu foco. Ela NUNCA deixou de acreditar e de lutar pelos seus objetivos. Quando tudo parecia dar errado, ela avançava. Quando tudo parecia dar certo, ela não se acomodava.
E é esse espírito de luta, de persistência, que quero transmitir para você, que acompanha o site Multisaúde.
O sucesso só vem com esforço, com estudo, com aperfeiçoamento. As oportunidades sempre aparecem, mas estarão acessíveis para aqueles que estiverem preparados e dispostos a ir mais longe.
Jamais se acomode! Nunca pare de estudar! Dê sempre mais um passo adiante: faça um novo curso, leia um novo livro, vá a congressos, conheça novas pessoas, interaja com outros profissionais da saúde.
Como diz a própria Cely: “Eu vou fazer a diferença sempre. Sabe como a gente faz a diferença? Estudando”.
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Doutora em Ciências (EEUSP), pós-graduada em Administração Hospitalar (UNAERP) e Saúde do Adulto Institucionalizado (EEUSP), especialista em Terapia Intensiva (SOBETI) e em Gerenciamento em Enfermagem (SOBRAGEN). É professora titular da Universidade Paulista no Curso de Enfermagem, e professora do Programa de Especialização Lato-sensu em Enfermagem em Terapia Intensiva e Enfermagem do Trabalho na Universidade Paulista.