Caso clínico: Depressão com tentativa de suicídio

A Organização Mundial da Saúde prevê que a depressão será o segundo maior problema de saúde pública em 2020.

Falar de suicídio, na maioria das vezes, é falar de depressão (não deixe de ler o artigo sobre suicídio de profissionais de enfermagem, clicando aqui)

Segundo a OMS (2012) a depressão é um transtorno mental comum, caracterizado por tristeza, perda de interesse ou prazer, sentimento de culpa ou baixa autoestima, distúrbios do sono ou do apetite, sensação de cansaço e falta de concentração.

O diagnóstico da depressão é, geralmente, realizado a partir de critérios estabelecidos no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, elaborado pela Sociedade Americana de Psiquiatria, e que está em sua 4ª edição (DSM-IV).

Portanto, para que a depressão seja diagnosticada é necessário pelo menos que cinco dos sintomas descritos a seguir, estejam presentes diariamente, durante minimamente duas semanas consecutivas ou ao menos os dois primeiros itens. (BRATS, 2012):

  1. Humor deprimido na maior parte do dia
  2. Desinteresse e desprazer pela maioria das atividades cotidianas
  3. Considerável ganho ou perda de peso ou aumento ou perda de apetite
  4. Excesso de sono ou insônia
  5. Lentidão ou agitação psicomotora
  6. Fadiga/ perda de energia
  7. Sentimentos de culpa e desvalia
  8. Dificuldade de concentração
  9. Pensamentos sobre morte, ideação suicida, tentativa de suicídio

Caso clínico

FL, 46 anos, sexo feminino, profissional de saúde, desempregada, 2º. dia de internação no Centro de Terapia Intensiva por intoxicação exógena (ingestão de benzodiazepínicos). Seu filho, adolescente, relatou à equipe que encontrou a sua mãe caída no chão do quarto, sem resposta aos estímulos e notou ao seu lado que havia duas caixas de Diazepam vazias. Ele relata, também, que a mãe sofreu muita pressão no ambiente de trabalho e que isso perdurou por bastante tempo e culminou na sua demissão involuntária. Após isso, ela demonstrava-se desanimada, triste, sem perspectiva futura, suspirando, com medo, com vergonha de estar desempregada, inclusive negligenciando sua higiene e aparência pessoal, afastando-se das relações sociais (amigos e familiares) e das atividades de lazer e, em alguns momentos, verbalizando sentimentos negativos e autonegativos e não querer mais viver.

Exame físico

Sonolenta, mucosas descoradas, pupilas fotorreagentes, porém obnubilação nas respostas quando estimulada intensamente. Bradicárdica – FC = 60 bpm, bradipneica – FR = 16irpm, hipotensa – PA = 90 x 60 mmHg e hipotérmica – T = 35,4ºC.

Exames laboratoriais  –  Valores de referência

Sódio = 129 mEq/l            ( 137 a 145 mEq/l)

Potássio = 3,2 mEq/l        (  3,5 a 5,0 mEq/l)

Ureia = 39 mg/l                 ( 15 a 40 mg/l)

Creatinina = 0,9 md/dl    ( 0,5 a 1,2 mg/dl)

Gasometria = pH – 7,29/ PO2– 82 mmHg/pCO2– 58mmHg/ HCO3– 26 mmol/l (acidose respiratória)

Observações

  • A acidose respiratória ocorre frente a diminuição da atividade respiratória por rebaixamento do nível de consciência causado pela intoxicação por benzodiazepínicos.
  • O sódio, que tem como função regular a pressão osmótica e o equilíbrio acido-básico e transmitir impulsos nervosos, está diminuído pelo aumento da excreção renal com o objetivo de eliminar o excesso de benzodiazepínico.
  • O potássio, eletrólito importante para o metabolismo celular e funcionamento adequado das células musculares e nervosas, está diminuído devido ao desequilíbrio de potássio intra e extracelular, porém, geralmente, quando se encontra abaixo de 3,0 mEq/l, pode causar fraqueza muscular, contrações e arritmias.
  • A creatinina, produto final do metabolismo muscular, pode tornar-se elevada quando há prejuízo na filtração glomerular e insuficiência renal.
  • A ureia, principal produto do metabolismo proteico, sintetizada no fígado a partir da amônia e eliminada pelos rins, e é um importante parâmetro para detecção da insuficiência renal.

Condutas(Mohallem AGC, Farah OGD, Laselva CR, 2011)

  • Jejum oral
  • Reposição eletrolítica (sódio e potássio)
  • Lavagem gástrica
  • Flumazenil – antagonista de benzodiazepínicos (bloqueia o sítio de ligação dos benzodiazepínicos em receptores GABA A – principal neurotransmissor inibidor do sistema nervoso central – SNC) indicado para pacientes intoxicados apenas com um benzodiazepínico que desenvolvam ventilação reduzida
  • Venlafaxina – indicado para tratamento da depressão (uso somente após compensação clínica) – inibe a recaptação da noradrenalina e serotonina, aumentando a transmissão noradrenérgica e serotoninérgica central.

Alguns diagnósticos de enfermagem

  • Risco de suicídio (vulnerabilidade à lesão autoinfligida que ameaça a vida) relacionado à tristeza, desesperança, desemprego, isolamento social, verbalização do desejo de morrer
  • Interação social prejudicada (quantidade insuficiente ou excessiva, ou qualidade ineficaz, de troca social) caracterizada por afastamento de familiares e amigos e mudança na interação, relacionada ao desemprego
  • Risco de violência direcionada a si mesmo (vulnerabilidade a comportamentos nos quais o indivíduo demonstra que pode ser física, emocional e/ou sexualmente nocivo a si mesmo) relacionado ao isolamento social, preocupações com emprego (desemprego, perda/fracasso recente na vida profissional)
  • Tristeza crônica (padrão cíclico, recorrente e potencialmente progressivo de tristeza disseminada, vivenciada em resposta à perda contínua ao longo da trajetória de uma enfermidade ou deficiência) caracterizada pela verbalização de sentimentos negativos que interferem no bem-estar, relacionada a oportunidade de trabalho perdida
  • Baixa autoestima situacional (desenvolvimento de percepção negativa sobre o seu próprio valor em resposta a uma situação atual) caracterizada por desesperança e verbalizações autonegativas, relacionada à perda do emprego e mudança no papel social
  • Autonegligência (conjunto de comportamentos culturalmente estruturados que envolvem uma ou mais atividades de autocuidado, em que há falha em manter um padrão de saúde e bem-estar socialmente aceito) caracterizado pela higiene e aparência pessoal deficiente, relacionada aos fatores estressores e à depressão
  • Sentimento de impotência (experiência vivida de falta de controle sobre uma situação, inclusive uma percepção de que as próprias ações não afetam, de forma significativa, um resultado) caracterizado por depressão, frustração quanto à incapacidade de realizar atividades anteriores (laborais) e vergonha, relacionado a interações profissionais e pessoais insuficientes
  • Sofrimento espiritual (estado de sofrimento relacionado à capacidade prejudicada de experimentar significado na vida por meio de uma conexão consigo mesmo, com os outros, com o mundo ou com um ser maior) caracterizado pelo medo, questionamento do sentido da vida, desesperança, relacionado a um evento de vida inesperado (perda do emprego) e ao isolamento social
  • Desesperança (estado subjetivo no qual um indivíduo vê alternativas limitadas ou não vê alternativas ou escolhas pessoais disponíveis e é incapaz de mobilizar energias a seu favor) caracterizada por cuidado pessoal inadequado, indicadores verbais de desânimo como suspiros, relacionada ao isolamento social, sensação de abandono (desemprego)

Algumas Intervenções de Enfermagem

  • Realizar exame das funções psíquicas
      1. Afetividade (humor): depressão (tristeza profunda), ideação suicida, embotamento afetivo ou indiferença e anedonia (perda da capacidade de sentir prazer, inclusive prazer pela vida)
      2. Pensamento e linguagem: lentificação do pensamento, bloqueio (interrupção abrupta do pensamento), bradifasia (fala muito vagarosa), bradipsiquia (lentidão do pensamento), mutismo (ausência da fala)
      3. Consciência: obnubilação, depressão sensorial, lentidão da compreensão e concentração, coma
  • Manter a segurança do paciente com vigilância discreta e constante para evitar automutilação e nova tentativa de suicídio
  • Monitorar a ingestão dos medicamentos para evitar o uso indevido – tentativa de suicídio
  • Monitorar os resultados dos exames laboratoriais
  • Controlar os próprios sentimentos e evitar fazer críticas em relação ao paciente com ideação suicida ou após tentativa de suicídio
  • Manter o paciente em quarto próximo ao posto de enfermagem
  • Manter vigilância em relação a objetos perigosos como pratos, talheres, tesouras
  • Observar, notificar e registrar mudanças de humor
  • Utilizar linguagem de fácil compreensão e frases curtas. Não ficar impaciente com a lentidão ou ausência de resposta do paciente
  • Promover e incentivar encontros e relacionamentos familiares saudáveis
  • Envolver o paciente no planejamento do seu cuidado e usar o toque terapêutico quando o nível de depressão estiver muito acentuado
  • Demonstrar interesse com comunicação empática
  • Olhar e perguntar como está o pensamento naquele momento, como foi o período de sono
  • Acolher, ouvir sem críticas, discutir crenças e medos, ajudando o paciente a refletir sobre o significado da vida

Referências

  • BRATS. Antidepressivos no Transtorno Depressivo Maior em Adultos. Boletim Brasileiro de Avaliação de Tecnologias em Saúde, Ano VI, no. 18, 2012.
  • PREVEDELLO P. Perfil do consumo de fármacos antidepressivos na atenção básica à saúde em um município do oeste catarinense. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Farmacologia da Universidade Federal de Santa Catarina, 2017.
  • Diagnósticos de enfermagem da NANDA: definições e classificação 2015-2017 [recurso eletrônico]/ [NANDA International]; organizadoras: T. Heather Herdman, Shigemi Kamitsuru ; tradução: Regina Machado Garcez ; revisão técnica: Alba Lucia Bottura Leite de Barros … [et al.]. – Porto Alegre: Artmed, 2015.
  • OLIVEIRA et al. Cuidados de enfermagem a pacientes com risco de suicídio. Rev. Cienc. Cuid. Saude 2017 Abr-Jun; 16(2)
  • MOHALLEM AGC, FARAH OGD, LASELVA CR. Enfermagem pelo método de estudos de casos. Barueri, SP: Manole, 2011.
  • WOODS SL, FROELICHER ESS, MOTZER SU. Enfermagem em cardiologia, 4a. edição. Barueri, SP: Manole, 2005.
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