A importância do atendimento odontológico na UTI

Hoje escrevo sobre a contribuição do profissional dentista no atendimento aos pacientes críticos, porque, infelizmente, com uma amiga internada na UTI, entubada, vítima de um Acidente Vascular Encefálico (AVE), pude verificar o quão necessário se faz o tratamento odontológico nesses casos.

Os pacientes internados em UTI podem apresentar higiene bucal deficiente, com quantidade significantemente maior de biofilme do que indivíduos sadios. Alguns estudos sugerem que a colonização do biofilme bucal por patógenos, em especial os respiratórios, pode ser uma fonte específica de infecção hospitalar importante, uma vez que as bactérias presentes na boca podem ser aspiradas e causar pneumonias aspirativas.

Nesse contexto, a pneumonia associada à ventilação (PAV) é a infecção mais frequentemente adquirida em UTI, com incidência variando de 6 a 52%. (JOSEPH et al., 2010).

Ela se desenvolve após 48 horas de intubação endotraqueal e ventilação mecânica e está associada com o tempo de ventilação e período de internação prolongado, resultando em mortalidade e aumento dos custos hospitalares.

 “A mortalidade global nos episódios de pneumonia associada à ventilação mecânica varia de 20 a 60%, refletindo em grande parte a severidade da doença de base destes pacientes, a falência de órgãos e especificidades da população estudada e do agente etiológico envolvido. Estimativas da mortalidade atribuída a esta infecção variam nos diferentes estudos, mas aproximadamente 33% dos pacientes com PAV morrem em decorrência direta desta infecção. Além da mortalidade, o impacto desta infecção, especialmente da PAV, traduz-se no prolongamento da hospitalização, em torno de 12 dias e no aumento de custos, em torno de 40.000 dólares por episódio”. (ANVISA, 2013)

Frente a isso, a inclusão do profissional cirurgião-dentista à equipe multidisciplinar pode servir de suporte no diagnóstico das alterações bucais, manutenção da condição bucal e, juntamente com os demais profissionais, atuar em procedimentos profiláticos, curativos e restauradores, tanto na prevenção da infecção, quanto na preservação do bem-estar do paciente, diminuindo o tempo de internação e o custo do tratamento.

Contribuições

  • Avaliação diária dos pacientes
  • Remoção de placa bacteriana
  • Eliminação de focos infecciosos
  • Extrações e restaurações
  • Prevenção de abcessos e periodontite
  • Diagnóstico de doenças causadas por fungos, vírus ou bactérias (candidíase e herpes)
  • Procedimentos de emergência frente a traumas
  • Promoção de conforto
  • Aplicação de saliva artificial para paciente em xerostomia,
  • Tratamentos intrabucais antifúngicos
  • Aplicação de laser de baixa potência em lesões (aftas, úlceras, herpes)

Pesquisa realizada por Amaral et al, em 2013, evidenciou que apenas 57% dos profissionais da equipe multidisciplinar que trabalham em Unidades de Terapia Intensiva consideraram importante a presença do cirurgião-dentista como parte integrante da equipe de profissionais designados ao tratamento e monitoramento dos pacientes.

Esse, também, foi tema de pesquisa de uma acadêmica, atualmente enfermeira, Janaína Miranda. Da pesquisa que ela fez, podemos destacar algumas perguntas feitas aos profissionais de Unidades de Terapia Intensiva e suas respostas:

Qual a sua opinião sobre a inserção do cirurgião dentista na equipe de atendimento da UTI?

“Bom na minha opinião … eu acho que teria que ser um composto da equipe multidisciplinar … muitas vezes eu já pensei nisso de ter um dentista dentro da CTI, porque realmente a gente vê que tem um comprometimento bucal … e além disso todas as doenças são portas de entrada … então, acho sim que poderia fazer parte com certeza”.

“Eu acho que é de fundamental importância, porque a gente vê muito paciente politraumatizado que tem comprometimento da arcada dentária … e … fora as intercorrências que acontecem durante a intubação … então eu acho que seria muito importante a inserção desse profissional”.

“Eu acho que para o paciente é muito positivo … pelas infecções de arcada dentária … que a enfermagem não consegue fazer a higienização correta que deveria ser feita … então a avaliação do dentista seria positiva”.

“Na minha opinião, seria muito bom para o atendimento com relação ao paciente porque, muitas vezes, o paciente tem uma cárie dentária e precisa de uma avaliação, por conta de prevenção de endocardite…  mas, infelizmente não existe”.

“Tendo em vista a possibilidade de infecção orofaringe … modificação do ph da boca, eventuais traumas dos dentes, infecções gengivais, seria importante a avaliação de profissional especializado, o dentista … o dentista deveria fazer parte da equipe multidisciplinar”.

“Eu acho importante … eu acho que é uma prática que não é comum ter… a gente sabe que tem várias doenças, tipo endocardite, que estão associadas a doença dentária, e que gera má condição dentária, que geralmente, as pessoas não fazem o tratamento adequado … então eu acho que seria importante a equipe multidisciplinar com cirurgião dentista na equipe”.

Na visão da equipe multidisciplinar, qual é a contribuição do atendimento odontológico para os pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva?

“É … a própria assepsia bucal correta né? já eliminaria uma grande quantidade de microorganismos  que nós temos na boca, na região oral, para dentro do sistema respiratório; pacientes que nem estão em ventilação, mas são acamados, dependentes de sondas, às vezes, nasoenteral, pra se alimentar … a única higiene que nós temos, é a lavagem da boca … a assepsia normal que é feita pelo próprio enfermeiro”.

“… eu acredito que isso venha diminuir bastante o risco de infecção … só pelo fato de estar ali, diariamente, higienizando tendo esse controle, o cirurgião dentista não só a parte higiênica, mas tratando as infecções … tratando os dentes desses pacientes … eu acredito que isso venha diminuir bastante e prevenir a infecção”

“O tratamento odontológico seria, para poder fazer uma limpeza, para evitar que, também, seja porta de entrada de infecções … e um tratamento seria de muita ajuda”.

“Eu acho que diminuiria a porta de entrada de infecções”.

“Para diminuir o índice de infecção … por conta da PAV (Pneumonia Associada à Ventilação), diminuir a infecção mesmo, né?”.

“Na prevenção de patologias bucais, na promoção de profilaxias dos dentes e gengivas … prevenção da saúde bucal e etc”

“O atendimento odontológico poderá atuar na prevenção de endocardites infecciosas … poderá, ainda, minimizar o risco de sangramento importante, naqueles pacientes em uso de antiagregantes plaquetários ou anticoagulantes … que necessitam de tratamento dentário”. 

Conclusão

Apesar de poucas unidades de terapia intensiva brasileiras oferecerem algum tipo de serviço de odontologia à beira de leito, mesmo sendo esse serviço realizado de maneira não padronizada, fica evidente a necessidade de integração do dentista à equipe multidisciplinar a fim de garantir o tratamento integral ao paciente, diminuindo os riscos de infecções e melhorando a qualidade de vida desses indivíduos.

A interdisciplinaridade deve direcionar a atuação do dentista nesse setor da saúde, de modo que as medidas preventivas sejam tão importantes quanto as curativas. Entretanto, para isso se faz necessário que as instituições estejam tecnicamente estruturadas e que os profissionais da odontologia desenvolvam formação específica adequada para desempenhar o seu papel com excelência.

Referências

  • Amaral COF et al. Importância do cirurgião-dentista em Unidade de Terapia Intensiva: avaliação multidisciplinar. Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent., 2013; 67(2):107-11
  • Medidas de Prevenção de Infecção Relacionada à Assistência à Saúde. Série: Segurança do Paciente e Qualidade em Serviços de Saúde, 2013.
  • Machado LG. Etiologia, fatores de risco e terapia inapropriada em pneumonias associadas à ventilação em pacientes adultos internados em uma unidade de terapia intensiva de um hospital de ensino no Brasil. Dissertação (Mestrado em Imunologia e Parasitologia Aplicadas), Universidade Federal de Uberlândia, MG, 2018.
  • Santos TB, Amaral MA, Peralta NG, Almeida RS. A Inserção da Odontologia em Unidades de Terapia Intensiva. J Health Sci 2017;19(2):83-8

 

Send this to a friend