Escrevo esse post bastante triste com as várias notícias que têm sido veiculadas, recentemente, sobre o suicídio de profissionais de enfermagem.
Os casos, na maioria das vezes, estão relacionados à depressão e ao esgotamento profissional (leia também artigo sobre síndrome de burnout clicando aqui).
Relembrando, aqui estão algumas tristes manchetes:
- Com hipótese de suicídio, família não entende por que técnico de enfermagem teria tirado a própria vida – Curitiba – 10 de janeiro de 2018
- Enfermeira que cometeu suicídio será sepultada hoje – Toledo – 06 de fevereiro de 2018
- Técnico em enfermagem anunciou que iria cometer suicídio – Ecoporanga – 30 de agosto de 2018
- Enfermeira é encontrada morta em residência de Porto Alegre do Norte. A Polícia Judiciária Civil de Porto Alegre do Norte investiga o suicídio – Mato Grosso – 04 de novembro de 2018.
- Técnico de enfermagem cometeu suicídio utilizando seringa com alta dose de medicamento – Campo Grande – 25 de janeiro de 2019
- Enfermeira encontrada ao lado de frascos de medicamentos e uma seringa – cometeu suicídio – Campo Grande – 02 de janeiro de 2019
Até 2020 a depressão vai ser a doença mais incapacitante do mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), acontecem cerca de 30 suicídios diariamente no país, média de 1 morte a cada 45 minutos, são mais de 800 mil pessoas que tiram a vida por ano. (COREN AL, 2018)
A OMS define suicídio o ato de matar-se deliberadamente. E por comportamento suicida, uma gama de comportamentos que incluem o pensar em suicidar-se, considerado como ideação suicida, planejar o suicídio, tentar o suicídio e cometer o suicídio. Tentativa de suicídio compreende lesões/autoagressões, intoxicações exógenas, que podem não ter resultado letal.
Ainda segundo a OMS, é considerado risco para o suicídio a presença de fatores sociais, psicológicos, culturais, relacionais, ou de qualquer outro tipo que podem levar um indivíduo a um comportamento suicida.
Os profissionais de enfermagem encontram-se no grupo de indivíduos mais propensos aos distúrbios mentais como depressão e burnout, onde o risco de suicídio aumenta consideravelmente. Além de lidar com o sofrimento, a dor e a tristeza dos outros, têm que reunir forças para enfrentar o processo de morte e atender as exigências dos familiares dos pacientes sob seus cuidados, no seu cotidiano.
Outros fatores, também, devem ser levados em consideração como desgaste físico por excesso de trabalho para superar os baixos salários, condições precárias de trabalho e falta de reconhecimento profissional.
Segundo Miranda e Mendes (2018) as rotinas dos profissionais de enfermagem, principalmente dos que atuam em serviços de urgência e emergência, “são marcadas pela fragmentação das ações, multiplicidade e complexidade de demandas requeridas e exigidas, associadas às más condições dos serviços públicos de saúde, disputas por espaço inter e extra profissionais, contendas entre os membros da equipe, à baixa remuneração, constante presença de pessoas com risco iminente de morte e inobservância dos preceitos éticos que contribuem para o desarranjo emocional e físico presentes nestes espaços ansiogênicos”.
Uma revisão integrativa sobre o assunto, feita em 2015, por Silva et al, evidenciou os fatores que contribuem para acometimento da depressão e do risco para o suicídio entre os profissionais de enfermagem. A seguir seguem alguns deles:
- Ambiente de trabalho: exposição cotidiana a estímulos externos (físicos e mentais) como a complexidade do trabalho, a inexistência de condições laborais ideais, ambientes insalubres, cuidados a pacientes graves e com risco de morte, exigências de familiares, além de conflitos internos e cobranças administrativas.
- Falta de autonomia profissional: a obrigatoriedade em submeter-se às normas estabelecidas pelo hospital faz com que o enfermeiro diminua a autonomia sobre sua equipe, afetando as atividades desenvolvidas e trazendo adoecimentos psíquicos.
- Conflitos familiares: o modo de trabalho dos profissionais de enfermagem produz prejuízo ao contato familiar, e a carência deste contato pode levar à depressão. O excesso de trabalho e a exaustão interferem na relação familiar e o desgaste relacional surge quando o profissional tem que conciliar as demandas do trabalho com os compromissos familiares.
- Conflitos interpessoais no trabalho: precarização das relações interpessoais, e estas para serem efetivas exigem coesão e colaboração. Portanto, podem gerar conflitos com colegas, membros da equipe e gestores, irritabilidade e desânimo.
- Plantão noturno: por ser cansativo e desgastante, traz prejuízo e risco à saúde do profissional. Além disso, os plantões noturnos e em finais de semana ocupam o tempo que poderia ser usado para lazer e convivência com a família.
- Estresse e insegurança: o estresse está relacionado com a pouca habilidade e insegurança no exercício da profissão. Nas atividades de alta complexidade, por maior risco de morte, as cobranças e exigências são maiores e elevam os níveis de estresse.
- Maior nível educacional: enfermeiros com pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado), mesmo com salários maiores e satisfação quanto ao crescimento profissional, são submetidos a uma série de exigências na realização das atividades e consequentemente na aquisição de outras responsabilidades geradoras de sobrecarga.
- Sobrecarga de trabalho: a sobrecarga produz desgaste físico e mental, desencadeia sintomas como insônia, pesadelos, ansiedade que podem evoluir para a síndrome de burnout e contribui significativamente para o aumento do estresse e depressão. Ela decorre do quantitativo insuficiente de profissionais, conflitos de escala de trabalho, número reduzido de funcionários nos fins de semana e feriados, carga excessiva de trabalho para superar os baixos salários, maior quantidade de pacientes internados.
FIQUE ATENTO: Manifestações de risco de suicídio
Fique atento a modificações no comportamento e a verbalizações como:
- Desesperança e preocupação com a sua morte – essas manifestações podem ser verbais ou escritas. O profissional fala em demasia sobre morte, sobre suicídio, sobre desânimo e falta de esperança e se sente depressivo, com baixa autoestima.
- Expressões suicidas, como: “vou sumir”, “quero morrer”, “vou deixar vocês em paz”, “assim não vale a pena viver”, “eu tinha que morrer mesmo” e outras semelhantes
- Isolamento – a pessoa se isola, não interage, não participa de atividades sociais e de lazer, prefere permanecer sozinho em casa, no quarto, inclusive, sem vontade de manter conversas telefônicas, incapacidade para se relacionar até com a família
- Mudanças acentuadas de humor, irritabilidade, ansiedade, pessimismo, depressão e sentimentos de culpa
- Alcoolismo
Cuidado na interpretação dessas manifestações: não as veja como ameaças ou chantagens emocionais, mas sim como avisos/alertas para um risco real
Como ajudar
Diante de um profissional ou colega com risco de suicídio você pode ajudá-lo da seguinte forma:
- Tente encontrar um momento propício para falar com ele sobre o sofrimento e os sentimentos que ele está vivendo. Escolha um lugar tranquilo, mostre que você está lá para ouvi-lo e disponha-se a ajudar.
- Estabeleça uma relação de confiança, com um diálogo franco, respeitoso e compreensivo, procurando saber como ele está passando, o que tem feito, o que tem sentido e entenda esses sentimentos.
- Escute-o (escuta ativa – ouvir e compreender o que ele diz). Mostre-se interessado, faça perguntas, resuma o que ele falou. Não o deixe ficar falando sozinho. Mantenha-se à disposição caso ele queira conversar mais vezes.
- Não critique ou julgue utilizando expressões como: “credo, isso até é pecado”, não acredito que você está pensando nisso”, “calma, não chore, tudo vai melhorar” ou “você não devia pensar nisso, tem tudo o que quer”.
- IMPORTANTÍSSIMO: peça para ele ou ela procurar ajuda de profissionais de saúde especializados em saúde mental e mostre-se disponível para acompanhá-lo.
- Se perceber que ele está em perigo iminente, não o deixe sozinho. Procure serviços de emergência ou localize algum parente ou alguém da confiança dele.
- Se conviver com ele, fique atento para que não tenha acesso a meios de provocar a própria morte como: medicamentos, armas de fogo, materiais perfuro-cortantes, soluções químicas.
Se um profissional ou colega de trabalho lhe pedir ajuda, respeite-o, valorize-o, considere o seu sofrimento e estimule-o a procurar tratamento.
Acredito que cabe a todos nós dar mais atenção ao assunto, no sentido de identificar este problema precocemente e ajudar na busca de soluções, lutando pela saúde dos profissionais no ambiente de trabalho e, consequentemente, evitando desfechos desastrosos e letais.
Para isso é necessário considerar a saúde e zelar pela qualidade de vida desses profissionais, pois devem ser compreendidos como pessoas que também podem adoecer. Enfermeiro é Gente que cuida de gente! (Wanda Aguiar Horta).
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Atualização: Leia também o artigo com um caso clínico sobre depressão e tentativa de suicídio, clicando aqui.
Referências
- COREN-AL. Conselho Regional de Enfermagem de Alagoas. Publicação, out, 2018.
- Miranda FAN, Mendes FRP. Nos cenários da urgência e emergência: ideação suicida dos profissionais de enfermagem. Rev Rene. 2018;19:e3382.
- Silva et al. Depressão e risco de suicídio entre profissionais de Enfermagem: revisão integrativa. Rev Esc Enferm USP · 2015; 49(6):1027-1036
- Ministério da Saúde. Prevenção do Suicídio: Manual dirigido a profissionais das equipes de saúde mental
- Centro de Valorização da vida. O que posso fazer para ajudar quem pensa em suicídio?
Doutora em Ciências (EEUSP), pós-graduada em Administração Hospitalar (UNAERP) e Saúde do Adulto Institucionalizado (EEUSP), especialista em Terapia Intensiva (SOBETI) e em Gerenciamento em Enfermagem (SOBRAGEN). É professora titular da Universidade Paulista no Curso de Enfermagem, e professora do Programa de Especialização Lato-sensu em Enfermagem em Terapia Intensiva e Enfermagem do Trabalho na Universidade Paulista.