Estive conversando com uma amiga que não via há algum tempo, que me contou, com lágrimas nos olhos, os momentos difíceis que passou enquanto seu pai esteve internado na UTI, em estado grave.
Escutei atentamente.
Mas, enquanto ela falava sobre as aflições de ver o pai intubado, durante as visitas, me veio logo à lembrança a experiência de uma aluna, atualmente enfermeira, Luciana Silva. Durante a sua atuação em UTI, ela presenciou várias vezes este cenário e essa foi a motivação para que ela, em sua pesquisa acadêmica, buscasse conhecer os sentimentos dos familiares de pacientes intubados. Belo trabalho!
Alguns pacientes, dependendo das condições clínicas, necessitam da intubação orotraqueal para usufruir da ventilação mecânica e satisfazer completamente as suas necessidades respiratórias.
Todos nós sabemos que a experiência de passar por esse processo pode representar uma situação de desequilíbrio, na medida em que provoca a alteração de papéis e responsabilidades, problemas de relacionamento familiar, perturbações e dificuldades de natureza física e psíquica, que ameaçam a integridade e interferem na capacidade de enfrentamento.
Da pesquisa que ela fez, podemos destacar algumas perguntas feitas aos familiares de alguns pacientes em Centros de Terapia Intensiva e suas respostas:
Quais os sentimentos vivenciados por ter um membro da família intubado na UTI?
“Desespero e tristeza”.
“Primeiro a gente fica com uma sensação de impotência, que a gente quer ajudar e não pode … diretamente falando, é a angústia né? Uma angústia constante”.
“É triste né? A gente fica com sentimento de impotência. Você quer ajudar, mas você não tem como ajudar. É muito difícil, é assim … só quem passa mesmo”.
“É a primeira vez que eu passo, então pra mim foi meio traumático. Fiquei realmente sem dormir. É … com medo, chegando até a perder a fé”.
“Perda, sensação de perda”.
“Minha primeira vivência, espero que seja a última, mas, assim, é terrível”.
Quais as implicações da situação vivenciada no cotidiano?
“Mudou toda minha vida, não tenho mais tempo para nada”.
“Eu durmo mal né?… porque a preocupação é grande. Acordo de noite preocupada com ela, né?”
“É difícil para trabalhar, voltar pra casa, cuidar dos filhos, para estudar”.
“A gente fica com a cabeça aqui no hospital, né? A gente fica trabalhando, mas com a cabeça aqui, à noite sonha, acorda várias vezes durante a noite”.
“Eu tive que me ausentar do trabalho pela distância física … cada dia é um novo dia, dias tristes, dias melhores, dias frustrantes”.
Quais os mecanismos utilizados para enfrentar essa situação?
“Muita força de vontade, assim, às vezes, cansada, mas pensando que ela estaria muito mais cansada do que eu. Que ela precisava muito mais do que eu de descansar, no caso. Eu me sinto cansada, mas ela está muito mais cansada e muito mais sofrida do que eu”.
“É … fé em Deus e o conforto dos outros familiares né? Essas duas coisas”.
“Pedi muita força para Deus, para me fortalecer, que era para eu poder ser útil no que eu pudesse ajudar, no conforto, na palavra, interceder mesmo, pedir pela vida dela e entregar a vida dela nas mãos dEle mesmo e até a minha própria”.
“Oração, inclusive eu estou com o terço … eu estava rezando lá dentro”.
“Primeiramente, acho que a gente, que todo ser humano, entrega na mão de Deus … e Ele sabe de todas as coisas, independente de qualquer religião”.
Quais as ações de enfermagem para minimizar o impacto e facilitar o acolhimento?
“É … Diante de nós a gente vê que há um cuidado, que há um acolhimento, que há uma atenção, né? Uma disposição … e que essa mesma disposição que há na nossa frente possa também haver na nossa ausência, né?
“Mas que na nossa ausência a pessoa tivesse cuidando ali como se fosse alguém da sua própria família … tivesse esse mesmo cuidado essa mesma atenção e isso, com certeza, vai nos deixar mais seguros”.
“Então elas podiam ser mais receptivas com a família, dos doentes ali, né? A gente não se sentiria tão sozinho”.
“Eu sinto que precisaria de mais atenção…. Está certo que tem todos os recursos mecânicos, mas não humanos, faltam recursos humanos”.
“Eu acredito que é um termo técnico para isso, mas, especificar melhor, mas pelo caminho de solidariedade”.
“Eu peço para Deus sempre estar vindo na frente colocando boas pessoas, pelo menos que tenham boa vontade para estar acolhendo e fazendo o máximo que eles podem para estarem ajudando não só o meu, como os outros, porque a dor que eu sinto é a dor dos outros também”.
“Eu acho que elas podiam dar um pouco mais de atenção”.
Acolhimento
Mesmo com a correria do dia a dia e da falta de pessoal, como foi mencionado por um entrevistado (novamente e sempre o problema de dimensionamento de pessoal), acredito que devemos fazer um esforço no sentido de acolher esses familiares.
O acolhimento pode ser definido como uma ação técnica-assistencial que pressupõe a mudança da relação profissional/família, por meio de parâmetros técnicos, éticos, humanitários e de solidariedade.
A família precisa sentir-se segura, fortalecida e amparada, pois assim será capaz de manter a sua autonomia e de expressar seus sentimentos.
É importante que os profissionais de enfermagem adotem estratégias que tornem essa fase menos desconfortável e menos traumática para os familiares, incluindo ações que possibilitem minimizar os processos angustiantes em que estão inseridos, visando um atendimento mais digno.
Doutora em Ciências (EEUSP), pós-graduada em Administração Hospitalar (UNAERP) e Saúde do Adulto Institucionalizado (EEUSP), especialista em Terapia Intensiva (SOBETI) e em Gerenciamento em Enfermagem (SOBRAGEN). É professora titular da Universidade Paulista no Curso de Enfermagem, e professora do Programa de Especialização Lato-sensu em Enfermagem em Terapia Intensiva e Enfermagem do Trabalho na Universidade Paulista.