Morte encefálica e a doação de órgãos

Olá pessoal!

Eu estava, há algumas semanas, conduzindo um estágio em Unidade de Terapia Intensiva, quando foi declarada morte encefálica (ME) de um paciente.

Os estudantes puderam, então, vivenciar uma situação real, que desafiou os conhecimentos adquiridos em sala de aula. Além disso, presenciaram a notificação aos familiares (que é um momento marcante), fazendo emergir sentimentos de angústia e impotência.

No entanto, partindo-se da premissa que a morte cerebral torna o paciente um potencial doador de órgãos, a atuação do enfermeiro, como viabilizador do processo, é fundamental.

É imprescindível que o enfermeiro tenha conhecimentos das possíveis complicações e, junto com os demais profissionais da equipe, promova medidas preventivas visando a integridade hemodinâmica necessária para tornar o potencial doador em doador efetivo e garantir a qualidade dos órgãos para o transplante.

Além disso os familiares devem ser abordados e orientados por equipe capacitada, por meio de entrevista, a fim de sanar as dúvidas e compartilhar sentimentos, viabilizando, assim, o processo de doação.

Um coração que ainda bate

A falta de informações precisas faz com que a família tenha esperança na recuperação do paciente/doador e o fato do corpo estar quente e do coração continuar batendo, dificulta a compreensão da ME, mesmo com as comprovações apresentadas (Cinque, Bianchi, 2010).

O Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da acadêmica, hoje enfermeira, Cintia Maria Silva dos Santos “A atuação do enfermeiro junto aos familiares de doadores de órgãos no momento da abordagem inicial” apontou que os familiares não têm informações necessárias para a tomada de decisão sobre a doação de órgãos, ou não têm a compreensão clara da morte encefálica e do processo de doação, e sofrem influência de valores culturais e religiosos que, associados a mitos e crendices populares, causam diminuição do índice de doadores de órgãos e aumento das filas de espera.

As razões para doar, ou não, são complexas e o altruísmo, embora importante, não parece ser suficiente para motivar a doação de órgãos. O conhecimento do desejo do paciente, manifestado em vida, é importante no momento de decidir.

Bousso (2008) e Leal (2009) alegam que a promoção da aceitação do sofrimento pelo familiar, o acolhimento, o esclarecimento de dúvidas sobre o processo de doação, a adaptação ao tempo necessário pela família para dividir opiniões e sentimentos e o oferecimento de suporte social e emocional parecem encorajar a atitude da doação, e a família pode decidir com menos conflito.

Para que o enfermeiro saiba atuar nessa situação, ele precisa ter conhecimentos suficientes para planejar, executar e coordenar todas as ações de enfermagem no que se refere ao atendimento no processo de doação de órgãos e tecidos (DOT).

E precisa conhecer informações importantes sobre o conceito de ME (Morte Encefálica) e DOT (Doação de Órgãos e Tecidos).

Definição

De acordo com a Comissão para os Estudos dos Problemas Éticos na Pesquisa Comportamental Médica e Biomédica, Morte Encefálica é:

“Um quadro clínico num paciente portador de doença estrutural ou metabólica conhecida, de caráter completa e indubitavelmente irreversível, expressando falência total de todas as funções do encéfalo, inclusive do tronco encefálico, quadro clínico este que persiste de maneira invariável por um período mínimo de seis horas”.

Principais Causas de Morte Encefálica

  • Traumatismo Crânio-encefálico (TCE)
  • Acidente Vascular Cerebral (AVC) isquêmico ou hemorrágico
  • Encefalopatia Anóxica
  • Tumor Cerebral Primário

Critérios para o diagnóstico de Morte Encefálica

Resolução 1.480, de 1997, do Conselho Federal de Medicina:

  • Paciente com doença estrutural ou metabólica conhecida e irreversível, na ausência de intoxicação exógena recente, uso de depressores do Sistema Nervoso Central (SNC), bloqueio neuromuscular e/ou hipotermia primária, na certeza de que todas as medidas de proteção encefálica já tenham sido realizadas (metabólicas, hemodinâmicas,etc)
  • Perda de função de todo o encéfalo, inclusive do tronco encefálico, levando a um estado permanente de inconsciência. Glasgow 3. Ausência de reflexos corneano, de vômito, faríngeo ou de resposta reflexa à estimulação brônquica. Ausência de função do nervo vago
  • Positividade do teste de apnéia

Avaliação Clínica (Morton & Fontaine, 2011)

Os exames específicos para a morte encefálica incluem testes motores; avaliação das respostas pupilares; avaliação do reflexo oculocefálico (“ohos de boneca”); avaliação do reflexo oculovestibular (teste calórico com água gelada); avaliação dos reflexos cornela, da tosse e náusea, e teste de apnéia.

As anormalidades eletrolíticas, a hipotermia, a hipotensão grave ou a presença de medicamentos em quantidades passíveis de causar coma devem ser resolvidas antes que seja feito o diagnóstico de morte encefálica.

O teste de apnéia é feito interrompendo-se a ventilação mecânica e verificando-se o tórax – esforço respiratório espontâneo – enquanto é fornecido oxigênio suplementar e monitorado o aumento na PaCO2.

O paciente deve ser submetido a dois exames neurológicos, por dois médicos diferentes e não pertencentes às equipes de captação.

São necessárias duas avaliações clínicas com intervalo de tempo conforme a idade:

Idade Intervalo de tempo 
de 7 dias a 2 meses incompletos 48 hs
de 2 meses a 1 ano incompleto 24 hs
de 1 ano a 2 anos incompletos 12 hs
Acima de 2 anos 06 hs

Fonte: Adaptado da resolução 1480/97 do CFM

Após a avaliação clínica são realizados exames complementares que demonstrem:

  • Ausência de perfusão cerebral
  • Ausência de atividade elétrica
  • Ausência de metabolismo cerebral 

Exames comprobatórios

  • Eletroencefalograma (EEG)
  • Angiografia cerebral
  • Mapeamento cerebral por radionuclídeo
  • Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico (BERA)
  • Doppler Transcraniano

O óbito será constatado na hora da segunda avaliação ou do exame complementar, o que ocorrer por último. A hora do óbito deve ser considerada como aquela registrada no Termo de Declaração de Morte Encefálica, devidamente preenchido e com o exame complementar anexado, segundo o protocolo da Resolução do CFM 1.480/97. A causa que levou a ME deve estar registrada no atestado.

Vítimas com morte violenta são obrigatoriamente submetidas a autópsia. Após a retirada dos órgãos, o atestado deverá ser fornecido pelo IML.

Segundo o Art. 1º. da Resolução CFM 1.826 de 06 de dezembro de 2007:

“É legal e ética a suspensão dos procedimentos de suportes terapêuticos quando determinada a morte encefálica em não-doador de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante, nos termos do disposto na Resolução CFM nº 1.480, de 21 de agosto de 1997, na forma da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.”

“O cumprimento da decisão deve ser precedida de comunicação e esclarecimento sobre a morte encefálica aos familiares do paciente ou seu representante legal, fundamentada e registrada no prontuário.”

Doação de órgãos e tecidos

Em casos de doadores de órgãos e tecidos a notificação é compulsória.

A equipe deve notificar as Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO) do seu Estado.

O doador com morte encefálica pode doar os seguintes órgãos e tecidos: coração, pulmões, fígado, rins, pâncreas e intestinos, córneas, pele, ossos, tendões e veias.

Atenção: É imprescindível a assinatura do termo de doação de órgãos e tecidos pelos familiares, mesmo que o doador tenha manifestado em vida o desejo de doar seus órgãos.

Causas de não efetivação de potenciais doações

Infelizmente, muitas doações não são efetivadas, seja por falta de notificação, seja por recusa familiar. É preciso, então, estar preparado para contornar as dificuldades.

Falta de notificação

  • Desconhecimento da família
  • Falta de credibilidade da família no transplante
  • Dificuldades na realização do diagnóstico de ME

Recusa familiar

  • Dúvidas no diagnóstico de ME
  • Desconhecimento da vontade prévia do familiar
  • Dificuldade de entendimento do conceito de ME
  • Causas religiosas
  • Receio de mutilação do corpo
  • Entrevista inadequada
  • Dificuldades de interação com equipe que o assistiu
  • Aspectos burocráticos

Entrevista com os familiares

Lembre-se: o sucesso da entrevista com os familiares depende basicamente de três fatores:

  • Predisposição dos familiares à doação
  • Qualidade do atendimento hospitalar recebido
  • Habilidade e conhecimento do entrevistador

Conclusão

Todos esses conhecimentos são de extrema importância para qualificar a atuação do enfermeiro junto à equipe multiprofissional.

Além de desenvolver um papel técnico e ativo, o enfermeiro fornece informações científicas e defende preceitos éticos, que visam tornar a experiência do transplante menos dolorosa aos familiares. Para isso, além do conhecimento científico, deve também apresentar preparo emocional para lidar com as diversas reações dos familiares, diante da perda, e com as emoções e os sentimentos que podem emergir, como angústia, pena, medo, entre outros.

O papel do enfermeiro como educador, junto à família do potencial doador, pode contribuir para a redução do índice de recusa de doação de órgãos, por parte das famílias.

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