No final de 2016, como de costume, estava conversando com alunos a respeito de cursos de pós-graduação.
Estava ouvindo suas motivações para buscar conhecimentos mais profundos nas áreas com as quais mais se identificam, e um dos acadêmicos revelou o seu desejo de atuar no atendimento pré-hospitalar. Mais especificamente, no resgate aéreo.
Senti o entusiasmo não só dele, mas do grupo todo, com muitos comentários sobre a importância desse tipo de atendimento, sobre a adrenalina, sobre o medo de voar, dúvidas sobre como funciona, quais os requisitos para se entrar nesse setor…
Naquele turbilhão de comentários e perguntas, decidi que precisava escrever um artigo aqui no site, dando o máximo possível de informações.
A especialidade
A Enfermagem de Transporte Aeromédico é uma especialidade reconhecida pelo Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) – Enfermagem Aeroespacial – relacionada direta ou indiretamente às atividades desempenhadas no ambiente aéreo.
É uma área que avança em conhecimento e extensão e que, atualmente, se faz tão necessária. Sabemos que o trânsito se encontra cada vez mais caótico devido ao número elevado de veículos circulando diariamente e isso dificulta o resgate e o atendimento às vítimas em estado grave.
Sendo assim, o transporte aéreo é considerado como a alternativa mais eficaz e a Enfermagem Aeroespacial faz parte desse cenário, contribuindo para um atendimento rápido e de qualidade. Entretanto, há alguns requisitos que devem ser atendidos para ingressar nesse tipo de serviço, como ter conhecimentos, por exemplo, sobre:
- Fisiologia de voo
- Fisiologia respiratória
- Bioética
- Saúde Mental
- Disbarismo – doença da descompressão ou aeroembolismo
- Evacuação de emergência
- Princípios de segurança dentro e fora da aeronave
E esses conhecimentos são adquiridos em cursos de especialização em resgate, remoção e transporte aéreo. Também deve-se levar em consideração características pessoais relevantes para esse tipo de atuação, como:
- Iniciativa
- Autocontrole
- Equilíbrio emocional
- Destreza manual
- Comunicação
- Condição física
- Disciplina
Setor público: GRAU
Para termos uma visão mais clara de como é a atividade do profissional de saúde nessa área incrível, que é o resgate aéreo, entrevistamos o Dr. Jorge Ribera, diretor do GRAU – Grupo de Resgate e Atendimento a Urgências. Criado há mais de 20 anos, o GRAU tornou-se referência em atividades de resgate e trauma no Estado de São Paulo.
O Dr. Jorge Ribera é médico formado pela faculdade de Medicina de Jundiaí e pós-graduado em Cirurgia Geral pelo Hospital Ipiranga em São Paulo e em Cirurgia Vascular pelo Hospital Bellvitge, na Espanha e atua nessa área desde 1992.
Em que consiste o trabalho do GRAU no atendimento as urgências e emergências?
O Grupo de Resgate e Atenção as Urgências e Emergências é um órgão da Secretaria Estadual de Saúde de SP, que existe há 26 anos. Foi criado com o intuito de atuar junto a Secretaria de Segurança Pública, configurando um sistema híbrido, chamado de RESGATE, simbolizado pelo triângulo (bombeiros , saúde e PM – GRPAe).
Com esta peculiaridade, coube ao GRAU, antigamente chamado de SAMU, prover o atendimento pré-hospitalar das vítimas de trauma, dos mais diversos, junto aos colegas da Secretaria de Segurança Pública, acessando o incidente rapidamente, de forma terrestre ou aérea, melhorando ou mantendo as vítimas, na tentativa de otimizar o tempo e o resultado hospitalar.
Na sua opinião, do que depende o sucesso do atendimento?
São ao menos 5 elementos:
- Triagem correta e localização precisa
- Tempo Total
- Atendimento adequado e eficiente
- Hospital adequado e comprometido
- Treinamento e sintonia da equipe
Como já é sabido, é fundamental o bom uso do sistema! Significa dizer que todos os sistemas pré-hospitalares não podem ser super dimensionados, pois são muito onerosos e devem ser adequadamente utilizados.
Não podem participar de sistemas inter-hospitalares e nem atendimentos para pequenos agravos ou situações sociais, que acabam ocupando o sistema e prejudicando o tempo resposta do paciente grave.
Uma boa triagem é fundamental e a precisão da sua localização é decisiva, por isso o papel das centrais não pode ser subestimado. Errou na triagem, o efeito dominó do desastre foi desencadeado!
Gastar o menor tempo para chegar na cena (com segurança) e o menor tempo para chegar ao hospital com o recurso adequado para o trauma.
A qualidade do atendimento, com equipe treinada e aclimatada com as prerrogativas de segurança e técnicas propostas pelo Corpo de Bombeiros e Grupamento Aéreo, acabam por selar as possibilidades de sucesso em uma operação que com frequência oferece riscos minimizados.
Qual é a importância do enfermeiro na equipe de atendimento?
No GRAU, trabalhamos com o conceito de binômio médico e enfermeiro, porque o diagnóstico e as ações são compartilhadas e as responsabilidades previamente conhecidas. Cada um tem sua mochila e é o responsável pela sua checagem e reposição.
O enfermeiro é fundamental no atendimento, tal qual o médico. A boa reanimação depende da sintonia dos dois.
Quais são os requisitos fundamentais para que o enfermeiro possa atuar?
No nosso caso, necessita de um condicionamento físico mínimo, tanto que incluímos teste de aptidão física no último concurso. Fora isso, prova de conhecimentos específicos focados em trauma e emergências clínicas e treinamentos junto ao bombeiro e estágio no suporte avançado.
Como é feita a capacitação dos profissionais enfermeiros?
Treinamento na Escola Superior de Bombeiros, por 3 dias e estágios no Suporte Avançado, em torno de 20 plantões de 12 horas.
Existe algum curso de especialização em resgate aéreo no estado de São Paulo?
Existem cursos teóricos, mas sem estágios práticos e nesta área a pratica é fundamental!
Quantas horas trabalha e quanto ganha um membro da equipe?
Há variáveis como gratificações e tempo de trabalho e outros que mudam o valor final.
Quais os passos que os interessados em seguir carreira nessa área devem seguir para conseguir ingressar? Concurso?
No caso do GRAU, somente por concurso, para ingressar no sistema terrestre. O enfermeiro do Águia é militar, o enfermeiro do GRAU não tripula missão aeromédica.
Setor privado: AMIL
O GRAU é um serviço essencialmente ligado ao setor militar, no qual o profissional, para ingressar, precisa prestar concurso. Então, para termos uma visão do mercado de trabalho no setor privado, entrevistamos a enfermeira Simone Contre, gerente de Enfermagem do Amil Resgate Saúde.
Em que consiste o trabalho do Amil Resgate Saúde no atendimento a urgências e emergências?
O serviço do Amil Resgate Saúde tem como foco a transferência de pacientes entre instituições hospitalares. Para nós, todas as operações são importantes, pois estamos lidando com as vidas de outras pessoas. A oportunidade de atuar em uma transferência contribui para o desenvolvimento da carreira do profissional de enfermagem não só porque permite que se aperfeiçoe na atuação com o paciente, mas também porque o torna mais familiarizado com as inovações tecnológicas adotadas nas unidades móveis – aéreas e terrestres – que fazem o transporte.
Na sua opinião, do que depende o sucesso do atendimento?
O bom resultado da missão é garantido pelo planejamento de cada etapa – desde a triagem médica, para avaliar se existem contraindicações para a transferência, passando pelo acionamento dos pilotos, até a operação em si – e, também, por um rigoroso alinhamento das informações entre os profissionais que atuarão no transporte do paciente.
Qual é a importância do enfermeiro na equipe de atendimento?
Cabe ao profissional de enfermagem, juntamente com o médico, planejar a missão e preparar o paciente para o embarque. Vale ressaltar que todas as unidades de urgência e emergência – incluindo as de transporte aeromédico – devem contar com um enfermeiro, além do médico e do piloto, conforme determinação do Ministério da Saúde.
Quais são os requisitos fundamentais para que o enfermeiro possa atuar?
Tecnicamente, priorizamos profissionais com pós-graduação em urgência e emergência ou em terapia intensiva, já que atuarão em unidades de terapia intensiva (UTI) móveis. Já em termos de perfil, buscamos características como proatividade e capacidade de trabalhar em equipe, de atentar aos protocolos, de planejar e de exercer a compaixão, um dos valores da empresa.
Como é feita a capacitação dos profissionais enfermeiros?
Internamente, oferecemos treinamentos que abrangem tanto a qualificação técnica (como no curso de transporte terrestre e tripulante aeromédico) quanto o cuidado com a saúde física e emocional dos colaboradores, considerando aspectos como a humanização, a empatia e o gerenciamento emocional.
Além disso, existem cursos externos, como o CRM (Corporate Resource Management), com foco em segurança e eficiência das operações aeromédicas, que são ministrados por instituições autorizadas pela Agência Nacional de Aeronáutica (ANAC). O profissional pode ainda buscar aperfeiçoamento com o ACLS (Advanced Cardiac Life Support), que prepara para os casos de emergências cardiológicas em adultos, e o PALS (Pediatric Advance Life Support), para crianças com esse quadro clínico.
Existe algum curso de especialização em resgate aéreo no estado de São Paulo?
Existem cursos oferecidos por instituições privadas.
Quantas horas trabalha e quanto ganha um enfermeiro nessa atividade?
A jornada de trabalho depende de cada missão e do quadro clínico do paciente, mas o padrão é que o plantão esteja baseado no esquema de 12×36 horas. Já os salários seguem a média praticada pelo mercado.
Quais os passos que os interessados em seguir carreira nessa área devem seguir para conseguir ingressar?
É recomendável que, após a graduação em enfermagem, o profissional busque uma pós-graduação em terapia intensiva, urgência e emergência, além de ampliar sua experiência no atendimento pré-hospitalar. É interessante ainda frequentar um curso de preparação para tornar-se um tripulante aeromédico.
Gostou da ideia de trabalhar nessa área?
Como vimos, há oportunidades para enfermeiros tanto no setor público como no privado. Independente da área que você escolher, invista continuamente em aperfeiçoamento e capacitação, e acompanhe os avanços da medicina e da tecnologia, para ser capaz de atuar de forma eficiente no atendimento às necessidades dos pacientes, no solo, no mar ou no ar.
Doutora em Ciências (EEUSP), pós-graduada em Administração Hospitalar (UNAERP) e Saúde do Adulto Institucionalizado (EEUSP), especialista em Terapia Intensiva (SOBETI) e em Gerenciamento em Enfermagem (SOBRAGEN). É professora titular da Universidade Paulista no Curso de Enfermagem, e professora do Programa de Especialização Lato-sensu em Enfermagem em Terapia Intensiva e Enfermagem do Trabalho na Universidade Paulista.