Olá pessoal!
Após a publicação do post sobre ventilação mecânica, que você pode ler aqui, muitas dúvidas surgiram a respeito do desmame. Durante uma conversa com enfermeiros e estudantes, percebi que, na opinião deles, esse desafio é do médico.
Errado! O enfermeiro tem papel relevante no atendimento aos pacientes assim que confirmado o início do processo de desmame.
Definição
Desmame é “o processo de transição da ventilação mecânica para a respiração espontânea”. Pode ser feita de forma abrupta (ex.: pouco de tempo de VM – cirurgias) ou gradual (ex.: VM por tempo superior a 24 horas) e que deve ser realizada o mais breve possível, de maneira segura.
Critérios para considerar a aptidão para o desmame (Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica)
Fatores | Condições requeridas |
1. Causa da falência respiratória que motivou a VM | Revertida ou controlada |
2. Troca gasosa | PaO2 ≥60 mmHg com FiO2 ≤0,40 |
3. Hemodinâmica estável | Sinais de boa perfusão tecidual, independência de vasopressores (doses baixas e estáveis são toleráveis)
Ausência de insuficiência coronariana descompensada ou arritmias com repercussão hemodinâmica |
4. Capacidade inspiratória | Deve ser capaz de iniciar esforços inspiratórios |
5. Nível de consciência | Paciente desperta ao estímulo sonoro sem agitação psicomotora |
6. Tosse | Eficaz. Ausência de secreções traqueobrônquicas em excesso |
7. Equilíbrio ácido-básico | pH ≥7,35 |
8. Balanço hídrico | Zerado ou negativo nas últimas 24 horas
Correção de sobrecarga hídrica |
9. Eletrólitos séricos | Valores normais |
10. Intervenções | Sem programação de transporte para exames ou cirurgia com anestesia geral nas próximas 24h |
Métodos de desmame mais comuns
- Ventilação Mandatória Intermitente Sincronizada (SIMV) – durante um período o paciente respira espontaneamente e, em outro período, com os parâmetros fornecidos pelo ventilador. Portanto, intercala ventilações espontâneas do paciente com períodos de ventilação assisto-controlada do equipamento. O desmame com este método é realizado reduzindo-se progressivamente a frequência mandatória do ventilador.
- Tubo em T – Ventilação espontânea com o tubo traqueal conectado a uma fonte umidificada e enriquecida com oxigênio por meio de um Tubo em T. Após 30 minutos contínuos de respiração espontânea com gasometria normal, o paciente já tem indicação de extubação.
- Pressão de suporte (PSV) – o ventilador proporciona uma pressão positiva inspiratória pré-selecionada, auxiliando a ventilação espontânea. O desmame é iniciado com pressão de suporte máxima, reduzindo gradativamente de acordo com a tolerância do paciente.
Teste de Respiração Espontânea (TRE)
O TRE tem duração de 30 a 120 minutos e consiste em colocar o paciente em Tubo em T (com fonte de oxigênio) ou ventilação com pressão de suporte (PSV) de 5 a 7 cm de H2O ou em pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) de 5cm de H2O. Considera-se o teste com sucesso quando os pacientes não apresentam sinais de falência respiratória, ou seja, mantém padrão respiratório e troca gasosa adequados e estabilidade hemodinâmica.
Para interromper o TRE deve-se observar os parâmetros clínicos e os sinais de intolerância.
Sinais de Intolerância ao TRE (Ribeiro e Mejia, 2011)
- Frequência respiratória – maior que 35 ipm por 5 minutos ou mais
- Saturação arterial de oxigênio – menor que 90%
- Frequência cardíaca – maior que 140 bpm
- Pressão arterial sistólica – maior que 180 mmHg ou menor que 90 mmHg
- Sinais e sintomas – ansiedade, agitação, alteração do nível de consciência e sudorese intensa
Obs.: Em alguns pacientes estes sinais não estão relacionados ao desmame e podem ser revertidos com medicamentos.
Após um teste de respiração espontânea bem-sucedido, deve-se avaliar se as vias aéreas estão pérvias e se o paciente é capaz de protegê-las.
Extubação é a retirada da via aérea artificial (tubo traqueal).
Sucesso de extubação: retirada do tubo traqueal após passar no TRE sem reintubação nas próximas 48 horas.
Fracasso de extubação: a necessidade de reinstituir a via aérea artificial (reintubação).
Lembre-se: Retirar o paciente da ventilação mecânica pode ser mais difícil que mantê-lo. (Goldwasser et al, 2007).
Apesar da importância da atuação da equipe multidisciplinar, o enfermeiro, por permanecer mais tempo junto ao paciente, necessita ter conhecimentos técnico-científicos e habilidade para atuar no processo de desmame, garantindo segurança no atendimento.
Atuação do enfermeiro
- Avaliar o nível de consciência – a alteração no padrão respiratório pode resultar em hipoxemia e consequentemente hipo-oxigenação cerebral. O nível de consciência rebaixado reduz a ação do sistema nervoso no processo de respiração e a força dos músculos respiratórios, agravando ainda mais a capacidade respiratória
- Aplicar a escala de Glasgow – o índice de sucesso é alto em pacientes com escala de Glasgow acima de 13. Quanto mais acentuado o grau de comprometimento neurológico, mais difícil será o desmame e, consequentemente, maiores chances de insucesso
- Avaliar o padrão respiratório – durante o processo de desmame, avaliar a frequência respiratória, ausculta pulmonar, amplitude do tórax, uso de musculatura acessória (tiragem intercostal, batimento de asa de nariz), saturação de oxigênio, perfusão periférica, pois a baixa resistência ventilatória está relacionada ao desuso da musculatura na ventilação mecânica
- Avaliar o padrão cardiovascular – avaliar a frequência e ritmo cardíaco (monitor), ausculta cardíaca, pressão arterial, pulso, perfusão tecidual. A alteração dos parâmetros do equipamento durante o desmame associado ao quadro clínico do paciente, pode desencadear insuficiência respiratória, taquicardia, hipertensão arterial, elevação do tempo de enchimento capilar e, nos casos graves evolução para PCR
- Avaliar a gasometria arterial – durante a alteração de parâmetros para o desmame, avaliar ocorrência de insuficiência respiratória (troca gasosa insatisfatória), com hipoxemia – diminuição da PaO2 (menor que 50) e hipercapnia – aumento da PCO2 (maior que 50) com pH menor que 7,35
- Avaliar o estado nutricional (ingesta) – no reestabelecimento da respiração espontânea há mais gasto energético, tornando o processo exaustivo e exigindo reservas energéticas
- Avaliar efeito de drogas analgésicas/anestésicas – certificar-se do último horário de administração da droga e da ausência de seus efeitos por meio da avaliação do nível de consciência, das pupilas e do reflexo da tosse, pois os relaxantes musculares inibem a transmissão do estímulo nervoso à fibra muscular, evitando sua contração e tornando a respiração impossível sem a ventilação artificial
- Avaliar a dependência psicológica da ventilação – alguns sentimentos como medo de morrer, insegurança, entre outros, podem desenvolver dependência emocional do equipamento. Por esse motivo é importante a preparação do paciente antes e durante o processo de desmame
- Observar o posicionamento do paciente – a posição do paciente tem relação direta com a complacência pulmonar, reduzindo-a ou aumentando-a. Estudos apontam que a complacência é maior na posição sentada, indicando-a para o início do desmame
- Controlar a pressão do cuff da cânula traqueal – pressões elevadas no cuff (balonete que impede o escape de ar e a entrada de fluídos) acima 30 podem ocasionar danos teciduais, traqueomalácia (flacidez da cartilagem), fístulas, estenoses, etc, e pressões abaixo de 20 aumentam o risco de broncoaspiração e infecção respiratória. Por esses motivos, a mensuração da pressão do cuff e indispensável
- Observar a necessidade de aspiração traqueal – avaliar sinais de obstrução das vias aéreas associada à hipóxia e à hipercapnia, como: diminuição da saturação de oxigênio, aumento da pressão arterial, da frequência cardíaca e da frequência respiratória, ansiedade, apreensão, tontura, letargia, diminuição do nível de consciência, fadiga, arritmias, palidez, cianose, entre outras. Essas manifestações apontam oxigenação inadequada e/ou retenção de secreções nas vias aéreas, aumentando o risco de infecção e broncoaspiração
- Observar sinais de Parada Cardiorrespiratória (PCR) – é imprescindível reconhecer os sinais da evolução para a PCR, pois podem ser oriundos de intolerância ao desmame ou de falência respiratória. O enfermeiro deve ser capaz de reconhecer quando um paciente está prestes a desenvolver uma PCR, que é considerada a mais grave emergência clínica)
O avanço tecnológico tem ofertado ventiladores mais sensíveis e confiáveis modificando a abordagem à insuficiência respiratória, possibilitando a diminuição da permanência dos pacientes em suporte ventilatório e facilitando a atuação de médicos, enfermeiros e fisioterapeutas.
O aprimoramento da prática do enfermeiro no suporte ventilatório é uma questão que precisa ser discutida e refletida entre os enfermeiros, principalmente os intensivistas, buscando uma melhor compreensão do seu papel na equipe multiprofissional, para atender, com qualidade, às necessidades dos pacientes.
Doutora em Ciências (EEUSP), pós-graduada em Administração Hospitalar (UNAERP) e Saúde do Adulto Institucionalizado (EEUSP), especialista em Terapia Intensiva (SOBETI) e em Gerenciamento em Enfermagem (SOBRAGEN). É professora titular da Universidade Paulista no Curso de Enfermagem, e professora do Programa de Especialização Lato-sensu em Enfermagem em Terapia Intensiva e Enfermagem do Trabalho na Universidade Paulista.