Durante uma aula sobre a atuação do enfermeiro na reversão de arritmias, pude perceber que ainda existe confusão sobre a diferença entre cardioversão e desfibrilação, além de falta de atenção e cuidado no momento do disparo da corrente elétrica, resultando em sérias consequências.
Presenciei várias vezes consequências indesejáveis para a equipe, como choque simultâneo no paciente e enfermeiro, no paciente e médico e, também, consequências para os pacientes, como queimaduras extensas de primeiro e segundo grau.
Definições
Desfibrilação elétrica é um procedimento terapêutico que consiste na aplicação de uma corrente elétrica contínua (não sincronizada) no músculo cardíaco. Essa corrente despolariza em conjunto todas as fibras musculares do miocárdio, tornando possível a reversão de arritmias graves com a Taquicardia Ventricular sem pulso (TV) e a Fibrilação Ventricular (FV) – situações compatíveis com parada cardiorrespiratória, permitindo ao nó sinusal retomar a geração e o controle do ritmo cardíaco. (Fleury)
Cardioversão elétrica é um procedimento eletivo utilizado para reverter arritmias mediante a administração de uma corrente elétrica direta e sincronizada que despolariza o miocárdio. Para que a descarga elétrica seja sincronizada o paciente deve estar monitorizado no próprio cardioversor e o botão de sincronismo deve estar ativado. A descarga é liberada na onda R (período refratário da despolarização cardíaca). Esse mecanismo consiste em despolarizar simultaneamente quase todas as fibras cardíacas, interrompendo os mecanismos de reentrada, com o objetivo de restaurar o impulso cardíaco de maneira coordenada, com apenas uma fonte de geração de impulso elétrico. É a terapia escolhida para o tratamento de taquiarritmias, como por exemplo, a Fibrilação atrial (FA) e Flutter atrial. (knobel)
A cardioversão elétrica é mais eficaz do que o uso de antiarrítmicos isoladamente, com uma taxa de efetividade de 60 a 70%. Entretanto, estudos mostram que a cardioversão elétrica feita após a administração de antiarrítmicos como a Amiodarona ou Sotalol tem mais chance de sucesso podendo alcançar aproximadamente 100%. (Passos)
A cardioversão farmacológica é mais efetiva quando iniciada dentro dos sete primeiros dias do início das arritmias – fibrilação atrial e flutter atrial.
Iniciar a cardioversão elétrica com doses maiores de energia é mais efetivo, resultando em menor número de choques e menor quantidade de energia cumulativa. (Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial)
O restabelecimento do ritmo sinusal, teoricamente, reduz os riscos de cardiomiopatia desencadeada pela frequência rápida e irregular (taquicardiomiopatia). A redução e regularização da resposta ventricular melhoram o desempenho ventricular e a fração de ejeção. (Klein et al)
Indicações
- Fibrilação atrial
- Flutter atrial
- Taquicardia paroxística supraventricular
- Taquicardias com complexo largo e com pulso
- Arritmias refratárias à cardioversão farmacológica
Contraindicações
- Disfunções do nó sinusal
- Intoxicação digitálica
Equipamentos – Classificação (Gonzalez et al)
Quanto ao modo de operação:
Manuais – o reconhecimento do ritmo cardíaco e a aplicação do choque dependem do operador
Semiautomáticos – conhecidos como DEA (Desfibrilador Automático Externo) – o reconhecimento do ritmo é realizado pelo dispositivo que informa se o choque elétrico é recomendado ou não no tratamento, sendo que a decisão de aplicar o choque continua sendo do operador.
O Desfibrilador Externo Automático (DEA) é um aparelho eletrônico portátil, constituído basicamente por uma bateria com capacitor elétrico e um computador capaz de reconhecer a fibrilação ventricular (FV) e a taquicardia ventricular (TV), as arritmias mais frequentes no início da PCR. Quando presentes, o aparelho determina o choque em corrente contínua sobre o tórax da vítima, organizando o ritmo elétrico do coração. (LADEIRA)
Estes desfibriladores semiautomáticos são muito empregados no atendimento pré-hospitalar, entretanto, também, podem ser utilizados no ambiente hospitalar.
Quanto ao tipo:
Externos – a corrente elétrica é aplicada através da superfície externa do tórax por meio de pás manuais ou adesivas
Internos – a corrente elétrica é aplicada por cabos eletrodos geralmente implantados através do sistema venoso.
Quanto ao formato da onda:
Monofásico – toda a energia elétrica selecionada é aplicada em um único sentido vetorial;
Bifásico – parte da corrente é administrada em um sentido, e a outra parte no sentido inverso (inversão de polaridade).
A cardioversão elétrica deve ser realizada com o paciente em jejum e sob anestesia ou sedação profunda. Geralmente são utilizados os seguintes fármacos: midazolam, fentanil, etomidato e propofol, preferencialmente o etomidato e o propofol.
Materiais e equipamentos necessários
- Desfibrilador/cardioversor com eletrocardiograma, capaz de aplicar choques com sincronismo
- Gel condutor
- Sedativos
- Carro de emergência completo: ambú, medicamentos de emergência e material de entubação traqueal
- Material para aspiração traqueal
- Oxigênio
- Material para implante de marcapasso transvenoso ou transcutâneo
Procedimentos
-
- Lave as mãos
- Avalie o nível de consciência do paciente
- Oriente o paciente sobre o procedimento
- Avalie os sinais vitais: pulso, pressão arterial, respiração
- Verifique os níveis séricos de magnésio, potássio, uso de digitálicos e gasometria arterial – algumas arritmias estão associadas a intoxicação digitálica e distúrbios do potássio
- Coloque o paciente em posição supina e obtenha acesso venoso periférico, que possibilita melhor acesso para o procedimento e manuseio de eventos adversos
- Remova objetos metálicos do paciente – os objetos metálicos são condutores de eletricidade e podem causar queimaduras
- Conecte os eletrodos do aparelho ao paciente – deve-se observar uma onda R ampla, para se obter o efeito de sincronismo
- Remova prótese dentárias e coloque uma cânula de Guedel – reduz o risco de obstrução e de aspiração
- Mantenha oferta de oxigênio durante o procedimento – previne hipóxia
- Administre sedativos conforme prescrito – promove amnésia e ausência de dor durante o procedimento.
- Ajuste o desfibrilador em modo sincronizado e certifique-se de que aparece uma marca no complexo QRS, indicando que o aparelho detectou a onda R e está ativado para o sincronismo
- Prepare as pás aplicando o gel condutor, em quantidade suficiente, a fim de diminuir a resistência transtorácica, assegurando a condução elétrica através do tecido subcutâneo – a aplicação correta do gel minimiza o eritema causado pela corrente elétrica. Não utilizar qualquer tipo material alcóolico como condutor, pois são combustíveis em contato com a corrente elétrica
- Selecione no aparelho a impressão de eletrocardiograma contínuo – para obter o registro da intervenção
- Uma das pás deve ser colocada na região apical à esquerda, na linha axilar média e, a outra, à direita do esterno, no segundo espaço intercostal, pelo profissional médico – o posicionamento inadequado das pás diminui o fluxo de corrente elétrica
- Ajuste a carga a ser utilizada no cardioversor – as cargas recomendadas para a reversão de cada arritmia seguem uma sequência de acordo com a American Heart Association (AHA)
Arritmia 1ª.carga 2ª. carga 3ª. carga 4ª. carga demais Taquicardia ventricular com pulso 100 J 200 J 300 J – 360 J Taquicardia ventricular polimórfica sem pulso 200 J 200-300 J – – 360 J Taquicardia supraventricular paroxística 50 J 100 J 200 J 300 J 360 J Fibrilação atrial 100 J 200 J 300 J – 360 J Flutter atrial 50 j 200 J 200-300 J – 360 J
- Desconecte o oxigênio durante a cardioversão – diminuir o risco de combustão na presença de corrente elétrica
- Avise em voz alta e clara para que todos se afastem e que a carga vai ser disparada – para manutenção da equipe em segurança
- Verifique novamente se o sincronismo está ativado
- Os dois botões (das duas pás) são pressionados simultaneamente pelo médico para despolarizar o músculo cardíaco
- Observe no monitor se houve reversão da arritmia – caso não ocorra a reversão, o procedimento deve ser repetido pelo médico conforme escala da AHA
- Reavalie o nível de consciência do paciente após a cardioversão – verificar presença de déficits motores, pois a embolia cerebral é uma das complicações associadas ao procedimento
- Monitore o padrão respiratório (observar bradipneia e queda de saturação de oxigênio) – pode ocorrer depressão respiratória devido ao uso de sedativos
- Verifique sinais vitais e monitorização cardíaca – detectar a ocorrência de hipotensão arterial, arritmias supraventriculares e ventriculares, bradicardia e assistolia
- Mantenha controle rigoroso da infusão de fármacos antiarrítmicos, se estiverem em uso
- Avalie detalhadamente as condições da pele do paciente (local onde foram colocadas as pás) – em virtude do risco de queimadura local
- Remova o gel do paciente e do equipamento e lave as mãos.
Quem pode realizar os procedimentos (Knobel et al)
O uso de desfibriladores manuais é prerrogativa do profissional médico.
É pertinente ao enfermeiro e a equipe de enfermagem sob supervisão do enfermeiro a execução da desfibrilação com o uso do DEA na presença ou ausência do profissional médico, conforme previsto no protocolo de Suporte Básico de Vida. (Parecer 26/2013 – COREN – SP)
Doutora em Ciências (EEUSP), pós-graduada em Administração Hospitalar (UNAERP) e Saúde do Adulto Institucionalizado (EEUSP), especialista em Terapia Intensiva (SOBETI) e em Gerenciamento em Enfermagem (SOBRAGEN). É professora titular da Universidade Paulista no Curso de Enfermagem, e professora do Programa de Especialização Lato-sensu em Enfermagem em Terapia Intensiva e Enfermagem do Trabalho na Universidade Paulista.