A doença aterosclerótica é consequência do acúmulo de placas ateroscleróticas em uma ou mais artérias coronárias. Vários fatores de risco têm sido associados ao desenvolvimento e à progressão de ateromas. Dentre eles, destacam-se a hipertensão arterial sistêmica, o diabetes melito, o tabagismo e a dislipidemia (1).
A manifestação clínica da doença aterosclerótica coronária varia desde a isquemia silenciosa até os quadros mais extremos de síndrome coronária aguda, incluindo o infarto agudo do miocárdio.
No ano de 1977, a intervenção coronária percutânea foi introduzida como uma opção menos invasiva de tratamento da doença aterosclerótica coronária. Naquela ocasião, por meio da colocação de um cateter-balão no interior da coronária, realizava-se dilatação e compressão do ateroma contra a parede vascular, restaurando o fluxo coronário.
Embora o procedimento fosse realizado com sucesso na maioria dos casos, uma parcela significativa de pacientes tratados (até 50%, a depender da complexidade clínica e anatômica) retornava nos primeiros 6 a 12 meses com recorrência dos sintomas anginosos, causados pela reestenose (volta da obstrução) (2). Basicamente dois mecanismos respondiam pela falência da angioplastia com cateter-balão: a retração elástica aguda do vaso, que se iniciava logo após o procedimento, e o remodelamento vascular negativo crônico, que em geral ocorria após o primeiro mês da intervenção (3,4).
Com o objetivo de solucionar essas limitações, surgiram os stents coronários. Esses novos dispositivos intracoronários resolveram a questão da retração elástica aguda e do remodelamento vascular negativo crônico, porém introduziram um novo mecanismo de reestenose: a proliferação neointimal excessiva dentro do stent, ou seja, uma resposta exacerbada do processo normal de cicatrização após a injúria vascular resultante da angioplastia com stents. Essa resposta exacerbada pode ocorrer em até 20% a 30% dos pacientes tratados com esse tipo de endoprótese, restringindo sua aplicabilidade nos cenários de maior complexidade (pacientes diabéticos, lesões em múltiplos vasos e lesões no tronco da coronária esquerda) (2).
Na etapa seguinte da batalha pela redução da reestenose foram testados, de forma sistêmica, fármacos com sabida propriedade anti-inflamatória e antiproliferativa. Entretanto, vários ensaios clínicos demonstraram a ineficácia da via sistêmica, pela impossibilidade de se obter adequada concentração sistêmica dos fármacos nos segmentos coronários, nascendo a ideia do stent farmacológico. (5-7).
Por se tratar de tecnologia extremamente engenhosa, capaz de permitir a liberação contínua local dos fármacos, obteve-se níveis locais teciduais eficazes em suprimir ou atenuar de forma marcante a hiperplasia intimal.
Os stents farmacológicos compreendem três elementos essenciais: a prótese metálica, que em nada difere das convencionais; os polímeros, utilizados para carrear e liberar de forma controlada os medicamentos; e o fármaco, com propriedades antiproliferativas (8).
Apesar dos estudos prévios sustentarem a segurança e eficácia a curto e longo prazos dos stents farmacológicos de primeira geração, houve uma crescente preocupação, principalmente com a segurança em longo prazo, especialmente com respeito às taxas de trombose tardia dos mesmos.
Os stents farmacológicos de segunda geração surgiram com novas modificações, visando superar as limitações dos stents farmacológicos de primeira geração. Dentre estas modificações estão os polímeros biocompatíveis, com estrutura mais fina, melhor flexibilidade, conformabilidade, entrega, as novas ligas de cromo-cobalto e platina-cromo, além de novas drogas anti-proliferativas (9).
Estas modificações foram responsáveis por menores taxas de trombose do stent e de revascularização da lesão alvo.
Mais recentemente, verificou-se que a aplicação do fármaco unicamente na superfície abluminal (em contato somente com a parede do vaso) do stent provido de matriz biodegradável, é capaz de exercer o efeito desejado, com capacidade de promover reepitelização mais adequada (9).
Como perspectiva futura, este ano a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou a comercialização dos stents bioabsorvíveis que estavam sendo utilizados em pesquisas. Estes stents são próteses feitas de um tipo de plástico especial (um polímero) de uso biológico. Em contato com a parede dos vasos sanguíneos ele reage quimicamente, sendo transformado em água e dióxido de carbono, deixando os vasos livres das placas e do próprio stent, que serviu apenas de “molde”. O fato do produto ir desaparecendo com o tempo pode trazer algumas vantagens ao paciente, sobretudo a trombose (8).
Entretanto, os dispositivos atuais não deixarão de existir, principalmente em pacientes com anatomia complexa, sobretudo tortuosidades e calcificações, onde o stent bioabsorvível apresenta limitações.
Referências
1) Lloyd-Jones D, Adams R, Carnethon M, et al. American Heart Association Statistics Committee and Stroke Statistics-2009 Update: a report from the American Statistics Committee and Stroke Statistics Subcommittee. Circulation. 2009; 119 (3):e21-181
2) Fischman DL, Leon MB, Baim DS, et al. The Stent Restenosis Study Investigators. A randomized comparison of coronary-stent placement and balloon angioplasty in the treatment of coronary artery disease. N Engl J Med. 1994; 331 (8): 496-501.
3) Di Mario C, Gil R, Carmenzind E, et al. Quantitative assessment with intracoronary ultrasound of the mechanisms of restenosis after percutaneous transluminal coronary angioplasty and directional coronary atherectomy. Am J Cardiol. 1995 Apr 15; 75 (12): 772-7.
4) Mintz GS, Popma JJ, Pichard AD, et al. Arterial remodeling after coronary angioplasty : a serial intravascular ultrasound study. Circulation. 1996 Jul 1; 94 (1): 35-43.
5) Chaves AJ, Sousa AG, Mattos LA, et al. Pilot study with an intensified oral sirolimus regimen for the prevention of the in-stent restenosis in the novo lesions: a serial intravascular ultrasound study, Catheter Cardiovasc Interv. 2005 Dec; 66 (4): 535-40.
6) Pepine CJ, Hirshfeld JW, Macdonald MG, et al. A controlled trial of corticosteroids to prevent restenosis after coronary angioplasty. M-Heart Group. Circulation .1990 Jun; 81 (6): 1753-61.
7) Holmes DR Jr, Savage M, LaBlanche JM, et al. Results of prevention of restenosis with tranilast and its outcomes (PRESTO) trial. Circulation. 2002 Sep 3; 106 (10): 1243-50.
8) Sousa JE, Ribamar J Jr. Stents farmacológicos: uma década de história, ciência e conhecimento. Ver Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2010; 20 (1): 65-71.
9) Gubolino LA, Lopes MACQ, Pedra CAC, et al. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Qualidade Profissional e Institucional, Centro de Treinamento e Certificação Profissional em Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista- III Edição- 2013. Arq Bras Cardiol. 2013.
Doutor em Ciências pela UNIFESP, membro Fundador da Sociedade Latino-Americana de Cardiologia Intervencionista (SOLACI), médico credenciado no Hospital São José, professor do Curso de Pós-Graduação da Beneficência Portuguesa de São Paulo, médico hemodinamicista do Hospital Ana Costa-Santos-SP, médico concursado no Hospital Guilherme Álvaro-Santos-SP.