Embora a medicina e outras áreas científicas já tenham uma visão diferenciada sobre a importância do atendimento das necessidades espirituais do paciente, ainda assim esse assunto é permeado de mistérios, tanto para profissionais quanto para acadêmicos da área da saúde. Talvez, por esse motivo, seja negligenciado, e o seu atendimento pouco conhecido como ferramenta do cuidar.
Apesar das dificuldades em atuar nessa área de cuidado, os enfermeiros são os profissionais qualificados e com visão científica e reflexiva para atender o paciente de forma holística. Portanto, cabe a eles a observação dos sinais apresentados pelo paciente em sofrimento espiritual, a fim de proporcionar bem-estar e evitar o surgimento de novas doenças, gerando prejuízo à sua reabilitação.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), “saúde é um completo estado de bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. Para se obter o completo bem-estar físico, mental e social, deve-se atender as necessidades espirituais também.
Definição
A espiritualidade é uma busca pessoal pela compreensão das questões últimas acerca da vida, do seu significado, e da relação com o sagrado e o transcendente, podendo ou não conduzir ou originar rituais religiosos e formação de comunidades. (Koenig et al)
A verdade é que nós, profissionais de saúde, temos dificuldades em abordar esse tema e prestar a assistência necessária por causa de vários fatores, entre eles a falta de tempo, as prioridades estabelecidas na gestão do cuidado, a falta de conhecimento e o receio da interpretação do paciente frente ao cuidado oferecido e dos demais profissionais da equipe multidisciplinar.
A falta de tempo está intimamente relacionada com a organização do trabalho e a priorização do cuidado focada nas necessidades fisiológicas ligadas à sobrevivência do paciente, ficando o atendimento das necessidades espirituais em segundo plano.
A falta de conhecimento tem relação com o ensino, uma vez que a dimensão espiritual é pouco abordada na graduação. A espiritualidade deve ser incluída no conteúdo a ser aprendido com o objetivo de preparar o enfermeiro para diagnosticar e intervir sobre as necessidades espirituais.
O receio de ser mal interpretado pelo paciente e pelos demais profissionais, refere-se, principalmente, à forma como o enfermeiro pode ser visto nesse caso, como desqualificado cientificamente.
Características
Algumas características que definem a angústia espiritual, segundo a taxonomia NANDA:
- Expressa falta de esperança e de significado e propósito na vida
- Falta de paz, serenidade, aceitação, amor, perdão de si próprio, coragem
- Raiva e culpa
- Expressa alienação e recusa de interações com amigos e familiares
- Incapacidade de rezar e de participar de atividades religiosas
- Sentimento de abandono ou raiva de Deus
Em relação a esse assunto, a acadêmica, atualmente enfermeira, Nívia Cristina Barbosa da Silva desenvolveu uma pesquisa para avaliar a percepção de estudantes e profissionais de enfermagem sobre o sofrimento espiritual e a importância da assistência à essa necessidade, além de identificar as medidas adotadas nesse atendimento.
Dos questionamentos levantados, podemos destacar algumas respostas:
Como você identifica o sofrimento espiritual no paciente?
“Quando o paciente se torna descrente, desiludido, sem esperança e adota postura de isolamento”
“Percebo muitas vezes, quando sua revolta está associada à patologia”
“Expressa ansiedade, nervosismo… medo…”
“Geralmente o paciente refere à necessidade de praticar sua espiritualidade principalmente no momento em que está internado e doente, expressa medo da morte”
“Apresenta recusa no convívio em grupo, chora por entes queridos que morreram”
“Quando o paciente coloca a culpa em Deus… se encontra agressivo, sem esperança…”
“Não saber lidar com a situação, sempre achando que cometeu algo de muito errado e por isso está sofrendo, parece perdido”
Percebe-se ainda, pelos depoimentos de profissionais, que muitos têm dificuldades em reconhecer os sinais de angústia espiritual e em lidar com esse diagnóstico:
“Acho que para identificar esse sofrimento espiritual, é necessário muito tato, experiência… há aspectos que precisam ser aprimorados…”
“De imediato não, só depois de ter uma convivência…”
“Trabalho apagando incêndio e com múltiplas funções impedindo de dedicar tempo ao paciente”
Quais as medidas que você adota para atender à necessidade espiritual dos pacientes?
“Solicito a presença de um representante da religião/doutrina”
“Busco levar positividade associada a esperança, através de uma conversa descontraída”
“Recomendo aos familiares procurar ajuda conforme a religião”
“Fazer com que o paciente acredite na sua força, capaz de lhe dar conforto…”
“Conversar, transmitir segurança e confiança, dar importância a seus valores e crenças”
“Promover e estimular a visita de líderes espirituais, respeitando sua privacidade no momento da oração ou reza”
“Apoiando, colocando em prática… a comunicação terapêutica… solicitando apoio religioso”
“Respeitando a religiosidade do cliente e procurando entender a doutrina da religião para a partir daí poder traçar uma assistência adequada”
A pesquisa também apontou que, mesmo sabendo da importância do atendimento, alguns profissionais não realizam as intervenções para esse diagnóstico como mostram as narrativas a seguir:
“Não exerço esta assistência, embora reconheça a importância ao tratamento”
“A questão espiritual de cada indivíduo é algo muito difícil de ser avaliado…”
“Não me considero madura o bastante para conseguir captar o que o paciente está sentindo do ponto de vista espiritual”
“Não tenho subsídios para falar sobre o assunto, pois durante a graduação, não me lembro de encontrar pacientes com essa necessidade afetada”
“Ainda tenho que conhecer várias doutrinas…”
Espero que este post provoque a reflexão dos profissionais sobre a influência da espiritualidade na vida de seus pacientes e sobre a importância de integrar essa dimensão na prática clínica.
Doutora em Ciências (EEUSP), pós-graduada em Administração Hospitalar (UNAERP) e Saúde do Adulto Institucionalizado (EEUSP), especialista em Terapia Intensiva (SOBETI) e em Gerenciamento em Enfermagem (SOBRAGEN). É professora titular da Universidade Paulista no Curso de Enfermagem, e professora do Programa de Especialização Lato-sensu em Enfermagem em Terapia Intensiva e Enfermagem do Trabalho na Universidade Paulista.