Hoje vou abordar um assunto que tem sido amplamente discutido e representa um problema mundial de saúde pública: o consumo de substâncias psicoativas por profissionais da saúde.
Definição
Qualquer substância que altere o humor, o nível de percepção ou o funcionamento cerebral é considerada substância psicoativa (droga). Podemos citar algumas: a maconha, o haxixe, os estimulantes como cocaína, anfetaminas, ecstasy, crack, álcool, tabaco, benzodiazepínicos e outros tranquilizantes.
Os sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos são substâncias psicotrópicas comumente utilizadas em hospitais e que estão muito próximas dos profissionais de saúde, por isso tornam esses profissionais vulneráveis ao envolvimento pessoal com essas substâncias.
À medida em que o comportamento de drogadição se manifesta no profissional, barreiras emocionais surgem nas relações com os superiores e os colegas de trabalho. Com o agravamento da dependência, o profissional desenvolve tolerância, sendo necessário o consumo de doses maiores e mais frequentes para alcançar o mesmo efeito. Nesse momento, o profissional começa a utilizar a substância no trabalho, e pode utilizar os medicamentos dos pacientes, substituindo-os por placebos.
Detecção
É importante que o enfermeiro gestor seja capaz de detectar o profissional com dependência química, o mais cedo possível, interferindo e encaminhando-o para o processo de recuperação.
Lembro-me de ter detectado dependência química (cloridrato de petidina – dolantina) em um técnico de enfermagem que trabalhou comigo.
Algumas características como sumiços repentinos, sono, olhos avermelhados, além do desaparecimento de ampolas e da sedação ineficaz nos pacientes por ele medicados, foram observadas durante a jornada de trabalho.
Mas há muitos outros sinais. Segundo Maquis & Huston (2005), há três níveis observáveis de mudanças no profissional:
Mudanças de personalidade/comportamento:
- Aumento de irritabilidade com pacientes e colegas, seguido de calma extrema;
- Isolamento social – almoça sozinho, não socializa nas atividades;
- Mudanças de humor exageradas e rápidas;
- Interesse forte e incomum por psicotrópicos ou pelo local de guarda dos mesmos;
- Mudança repentina nos cuidados com a aparência pessoal;
- Esquecimentos;
- Mudanças na aparência física: perda de peso, rosto ruborizado, olhos avermelhados, fala arrastada, sudorese intensa, tremores, queimaduras de cigarro, entre outros;
- Comportamento exageradamente defensivo quando erra
Mudanças do desempenho no trabalho:
- Dificuldade para obedecer prazos e horários;
- Registros malfeitos ou incoerentes;
- Erros frequentes que afetam o atendimento ao paciente;
- Solicita ficar responsável pelos psicotrópicos no dia do seu plantão;
- Pacientes sob seus cuidados queixam-se que o medicamento para alívio da dor é ineficiente;
- Executa a mínima quantidade de trabalho;
- Apresenta erros de julgamento;
- Dorme ou apresenta muito sono durante o trabalho.
Mudanças quanto a assiduidade e pontualidade:
- Faltas frequentes sem explicação ou notificação adequada, na maioria das vezes segundas e sextas-feiras;
- Intervalo prolongado para o almoço;
- Excesso de atestados médicos e solicitações de saída antecipada por mal-estar;
- Telefonemas frequentes solicitando compensação de horas;
- Chegada cedo ao trabalho ou permanência depois do horário sem razão conhecida;
- Atrasos constantes;
- Desaparecimentos frequentes da unidade sem explicações.
Prejuízos
A incidência de prejuízos pela dependência química entre os profissionais da saúde é substancial:
No nível pessoal: O profissional sofre de uma doença que pode não ser detectada ou tratada durante vários anos.
No nível profissional: Os cuidados de saúde são afetados pelo profissional com dependência química. A capacidade de julgamento e suas habilidades são prejudicadas e isso coloca o paciente em risco. Também compromete a continuidade do trabalho em equipe, fazendo com que os colegas tentem compensar a sua negligência.
No nível administrativo: O absenteísmo (ausências), acidentes ocupacionais e redução da produtividade decorrentes do abuso de substâncias psicoativas constituem-se elementos que afetam a produtividade e elevam o custo.
Recuperação
O processo de recuperação, geralmente, tem quatro fases, segundo Marquis e Huston:
A primeira é a Fase Pré-motivacional: o profissional nega a gravidade da dependência química, embora reduza ou suspenda o uso de substâncias para acalmar familiares e colegas. Espera reestabelecer o uso de substâncias no futuro.
A segunda, a Fase de Ruptura: o profissional começa a ver que a adição química está causando impacto negativo em sua vida e se propõe a mudar. É uma fase de esperança e geralmente dura três meses.
A terceira, Fase de Recuperação Inicial: nessa fase o profissional examina suas habilidades de enfrentamento e trabalha para desenvolver habilidades mais eficazes de luta. É comum a participação em grupos de apoio e só nesse momento o profissional se dá conta de que estava doente, surgindo sentimentos de humilhação e vergonha.
A quarta, e última, chama-se Fase de Recuperação Prolongada: o profissional desenvolve autopercepção dos motivos da dependência química e mecanismos de enfrentamento que auxiliarão a lidar com os estressores. Em consequência disso, aumentam a autoestima e o auto-respeito.
Doutora em Ciências (EEUSP), pós-graduada em Administração Hospitalar (UNAERP) e Saúde do Adulto Institucionalizado (EEUSP), especialista em Terapia Intensiva (SOBETI) e em Gerenciamento em Enfermagem (SOBRAGEN). É professora titular da Universidade Paulista no Curso de Enfermagem, e professora do Programa de Especialização Lato-sensu em Enfermagem em Terapia Intensiva e Enfermagem do Trabalho na Universidade Paulista.