Atendendo ao pedido de alguns leitores, escrevo sobre a analgesia com cateter peridural. Inicialmente, acredito ser importante lembrar o conceito de dor e das complicações dela decorrentes.
Definição
Dor é “uma experiência sensorial e emocional desagradável que é associada a lesões reais ou potenciais ou descrita em termos de tais lesões. A dor é sempre subjetiva. Cada indivíduo aprende a utilizar esse termo através de suas experiências”. (Associação Internacional para Estudos da Dor)
Percepção da dor (Timby e Smith)
- Limiar de dor é o ponto no qual as substâncias neuroquímicas que transmitem a dor atingem o cérebro, provocando a percepção consciente
- Tolerância a dor é a magnitude da dor que uma pessoa tolera após o limiar ter sido atingido
Complicações da dor
Sistema cardiovascular
- Hipertensão
- Taquicardia
- Arritmias cardíacas
- Aumento do trabalho cardíaco
- Aumento do consumo de oxigênio pelo miocárdio
- Risco de isquemia e Infarto Agudo do Miocárdio (IAM)
Sistema respiratório
- Hipoxemia
- Hipercarbia
- Atelectasias
- Distúrbios de Ventilação/Perfusão
- Supressão da tosse
- Dificuldade de respiração profunda
- Retenção de secreções
- Pneumonia
Sistema hematológico
- Aumento da agregação plaquetária
- Diminuição da fibrinólise
- Hipercoagulabilidade
- Eventos tromboembólicos – ex.: trombose de veias profundas
Sistema Metabólico
- Aumento da secreção de catecolaminas
- Aumento da secreção de hormônios: cortisol, adrenocorticotrófico (ACTH), antidiurético (ADH), glucagon
- Diminuição de hormônios anabolizantes: insulina
- Aumento da retenção de sódio e água
- Aumento da glicemia
- Aumento do metabolismo basal
Sistema Urinário
- Hipomotilidade da uretra e bexiga (estimulação simpática – vasoconstrição)
- Diminuição do débito urinário
Sistema Gastrointestinal
- Íleo adinâmico
- Náuseas e vômitos
- Alterações na flora bacteriana
- Má absorção
- Distúrbios eletrolíticos
Alterações Psicológicas
- Ansiedade
- Depressão
Objetivos da avaliação da dor
- Identificar a existência de dor e estabelecer a causa,
- Caracterizar a experiência dolorosa e mensurar a dor em todos os seus aspectos: biológico, emocional e comportamental
- Identificar fatores que possam contribuir para manter ou exacerbar a dor
- Selecionar as alternativas de tratamento
- Verificar a eficácia das terapêuticas instituídas.
Instrumento de avaliação da dor
Utilização de escalas: verbal, visual analógica, expressões faciais, copos, entre outras.
Escada analgésica
A escada analgésica (Organização Mundial da Saúde – OMS) sugere a organização e padronização do tratamento analgésico da dor baseado em uma escada de três degraus de acordo com a intensidade da dor.
O manejo da dor com cateter peridural pode ser realizado por um período curto de tempo (ex. trabalho de parto, pós-trauma, pós-operatório) ou por um período longo (ex. dores crônicas)
Cateter peridural (Pasin e Schnath)
É um dispositivo de material biocompatível, descartável, radiopaco, resistente e flexível, que se ajusta facilmente às particularidades anatômicas da coluna vertebral. A sua transparência permite a visualização de refluxo de sangue ou líquido cefalorraquidiano (LCR) quando seu conteúdo é aspirado. Por ser multiorificial, facilita a dispersão do fármaco e seu comprimento varia de 90 a 100 cm.
Localização
O cateter, instalado pelo anestesista, é colocado no espaço peridural (epidural) – localizado entre a dura-máter e o ligamento flavum (amarelo). É um espaço preenchido por tecido adiposo e vasos sanguíneos.
Quando os analgésicos são liberados no espaço epidural são distribuídos: por difusão através da dura-máter em direção ao fluído cerebroespinhal, onde atuam diretamente nos receptores no corno dorsal da medula espinhal, via vasos sanguíneos no espaço epidural e liberados sistemicamente ou por absorção pela gordura criando um depósito no qual o fármaco é liberado sistêmica e lentamente. (Potter, Perry e Elkin)
O uso de opiáceos produz analgesia sem bloqueio motor, com duração variável. A morfina tem duração entre 8 e 24 horas.
Benefícios da analgesia pelo neuroeixo
- Redução da permanência nas unidades de terapia intensiva e internação hospitalar
- Melhora na função pulmonar
- Diminuição de complicações cardiovasculares e tromboembólicas
- Auxilio na mobilização e retorno da função intestinal
- Liberdade de movimentação
Efeitos colaterais – analgesia com opioides
- Hipotensão arterial
- Náuseas e vômitos
- Retenção urinária
- Prurido
- Sonolência
- Depressão respiratória
Complicações no uso do cateter
- Saída do cateter
- Infecção
- Migração do cateter para o espaço subaracnóideo
- Dobra ou fratura do cateter
- Hematoma
Monitoração do paciente em analgesia epidural
- Avaliar o nível de sedação e escore de dor – guia de ajuste de dose
- Avaliar o padrão respiratório (frequência e amplitude) – diagnóstico precoce da depressão respiratória
- Avaliar o padrão hemodinâmico (frequência cardíaca e pressão arterial) – detectar efeitos como hipotensão, taquicardia, bradicardia
- Avaliar as funções motoras e sensoriais – detectar efeitos neurológicos adversos por excesso de analgésicos
- Controlar a força e motricidade – a perda da força pode ocorrer em casos de hematomas ou abscessos. Utilizar a escala de Bromage (ver abaixo)
- Avaliar o local de inserção do cateter – detectar presença de eritema, calor, sensibilidade, secreção e edema
- Monitorar queixas de prurido – o rush cutâneo pode ocorrer devido ao opioide. Em alguns casos, faz-se necessário a aplicação de anti-histamínico
- Controlar o volume urinário – detecção de retenção urinária
- Monitorar saturação de oxigênio
A utilização do cateter peridural para analgesia é uma ferramenta eficaz para controle e alívio da dor. Entretanto, prestar assistência nesses casos requer preparo da equipe para monitoração do paciente e manejo das complicações.
Referências
- Timby BK, Smith NE. Enfermagem Médico-Cirúrgica. 8ª. edição, Barueri, SP: Manole, 2005.
- Pasin S, Schnath F. Cuidados de enfermagem na analgesia por cateter peridural. Rev HCPA 2007;27(2):69-73
- Pimenta CAM, Santos EMM, Chaves LD, Martins LM, Gutierrez BAO. Controle da dor no pós-operatório. Rev. Esc. Enf. USP, v. 35, n. 2, p. 180-3, jun. 2001.
- Potter P, Perry AG, Elkin MK. Procedimentos e Intervenções de Enfermagem. %a. edição, Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.
- Knobel E. Terapia Intensiva: enfermagem. São Paulo: Editora Atheneu, 2009.
- Imagem 3 traduzida e adaptada de University of Maryland Medical Center Imagem 4 traduzida e adaptada de The Royal Children’s Hospital Melbourne
Doutora em Ciências (EEUSP), pós-graduada em Administração Hospitalar (UNAERP) e Saúde do Adulto Institucionalizado (EEUSP), especialista em Terapia Intensiva (SOBETI) e em Gerenciamento em Enfermagem (SOBRAGEN). É professora titular da Universidade Paulista no Curso de Enfermagem, e professora do Programa de Especialização Lato-sensu em Enfermagem em Terapia Intensiva e Enfermagem do Trabalho na Universidade Paulista.