Durante um recente estágio supervisionado, deparei-me com uma situação que já havia visto anteriormente, quando trabalhava em São Paulo: a dificuldade do enfermeiro e do acadêmico de enfermagem em preparar o material e acompanhar o procedimento de drenagem torácica.
Parece simples, mas quando estamos submetidos à situação de urgência e tensão, tudo acaba tomando uma dimensão de dificuldade que, na verdade, é desproporcional.
Por esse motivo, resolvi repassar esse procedimento.
Revisão da anatomia e fisiologia
O tórax consiste em três compartimentos: o mediastino, a cavidade pleural direita e a cavidade pleural esquerda.
As membranas pleurais circundam os pulmões e revestem a parede torácica. A pleura parietal (aderida as estruturas da parede do tórax) reveste a parede torácica e a pleura visceral (aderida ao tecido pulmonar) apõe-se ao parênquima pulmonar.
Uma camada fina do líquido seroso no pequeno espaço entre as duas pleuras permite que as pleuras parietal e visceral deslizem uma sobre a outra durante a inspiração e expiração.
A pressão dentro do espaço pleural é chamada de pressão intrapleural e é normalmente menor que as pressões dentro do pulmão. É essa pressão negativa que mantém os pulmões insuflados. Se o espaço intrapleural perde a pressão negativa, o pulmão colaba, uma condição conhecida como pneumotórax. Também pode haver acúmulo de líquido.
Drenagem torácica
A drenagem torácica reestabelece a pressão negativa pulmonar, remove ar ou líquidos do espaço pleural, permite a expansão pulmonar e impede que o refluxo do material drenado volte ao tórax.
Drenos
São tubos transparentes, multifenestrados, radiopacos (permite visualização ao raio x), com marcadores de distância.
Todas as aberturas do dreno devem ser mantidas dentro do gradil costal, para que não ocorram extravasamentos de ar no tecido subcutâneo ou fora da parede torácica.
Para drenar sangue ou secreção espessa são utilizados drenos maiores (36 a 40 French) e para remoção de ar, drenos menores (16 a 28 French)
Sistema de drenagem (Morton & Fontaine)
Para reestabelecer a pressão negativa intrapleural é necessário um selo para o dreno torácico (sistema de drenagem subaquática) que impeça a entrada de ar vindo de fora.
Existem vários tipos de sistemas de drenagem (uma, duas ou três câmaras).
O sistema de câmara única – frasco com uma tampa vedada que tem duas aberturas. Uma para a saída de ar; a outra permite a passagem de um tubo que se estende quase até o fundo do frasco. Água estéril é colocada no frasco até que a ponta do tubo rígido esteja submersa 2cm. Isso cria uma vedação aquática fechando o sistema de ar externo:
Fonte: O Guia do Fisioterapeuta
Sistema de duas câmaras – a primeira câmara é o receptor de coleta, e a segunda, o selo d’água. Nesse sistema pode ser aplicada sucção ao frasco do selo d’água mediante sua conexão à abertura de ar:
Fonte: O Guia do Fisioterapeuta
Sistema de três câmaras – há a adição de uma câmara para o controle da sucção ao sistema de duas câmaras. Essa é a maneira mais segura de regular quantitativamente a sucção:
Fonte: O Guia do Fisioterapeuta
Também existe o sistema de sucção seca (sem água). Esse sistema usa um mecanismo de mola para controlar o nível de sucção e pode proporcionar um nível mais alto de sucção:
Fonte: Biomedical
Conhecer os sistemas de drenagem permite ao enfermeiro administrar com segurança a assistência que deverá ser prestada.
Indicações
A drenagem torácica está indicada quando há perda da pressão negativa no espaço intratorácico e, consequentemente, perda da função pulmonar. Essa situação pode ocorrer devido a presença de ar ou fluído na cavidade pleural, resultando em colapso parcial ou total do pulmão.
- Pneumotórax – coleção de ar no espaço pleural causada por presença de doença pulmonar, ventilação mecânica, ferida de punção penetrante, tumores, ruptura de vesículas, broncoaspiração de compostos químicos tóxicos
- Hemotórax – coleção de sangue no espaço pleural causada por traumarismos torácicos, neoplasias, rupturas pleurais, anticoagulação excessiva, pós-cirurgia torácica, biópsia pulmonar aberta
- Empiema – coleção de pus na cavidade pleural causada por infecções, pneumonias recorrentes
- Quilotórax – coleção de quilo (linfa) na cavidade pleural causada por traumatismos, condições malignas, cirurgia torácica, anormalidades congênitas
- Hidrotórax – coleção de líquido seroso na cavidade pleural causada por insuficiência cardíaca congestiva, cirrose hepática, neoplasias, complicações da diálise peritoneal, lúpus eritematoso, artrite reumatoide, tuberculose
Complicações
- Hemorragias – lesão de vasos intercostais, sangramento no local de inserção do dreno
- Lesão do nervo intercostal
- Laceração ou punção de vísceras sólidas, ex.: pulmão, fígado
- Obstrução do dreno de tórax
- Enfisema subcutâneo
- Ausência de drenagem e flutuação de ar no sistema
- Ausência de borbulhamento no frasco – quando o último orifício do dreno não se encontra totalmente no espaço pleural ou por mau posicionamento no selo d’água
- Infecções: empiema, pneumonia
Equipamentos e materiais necessários
- Dreno torácico flexível e estéril
- Água estéril
- Luvas estéreis
- Campos cirúrgicos
- Avental, máscara e gorro
- Lidocaína 1% sem vasoconstritor
- Seringa de 20 e de 10 ml
- Agulha 40×12 e 30×7
- Sistema de drenagem torácica – frasco e extensão
- Caixa de pequena cirurgia
- Instrumental e materiais para curativo
- Fio de nylon 3.0
- Solução antisséptica
O que fazer se ocorrer saída acidental do dreno (Cipriano, 2011)
Em paciente que não tem fístula aérea:
- Ocluir rapidamente o orifício do dreno – use o que estiver à mão (compressa de gase, toalha, etc), não fique esperando material de curativo
- Avisar o médico responsável e fazer curativo compressivo
- Monitorar o paciente – não deixá-lo sozinho
- Administrar oxigênio se apresentar desconforto respiratório
- Se o paciente piorar descomprima o orifício – é preferível um pneumotórax total do que um pneumotórax hipertensivo
Em paciente que tem fístula aérea:
- Ocluir o orifício do dreno na inspiração e abrir na expiração – a oclusão contínua provoca um pneumotórax hipertensivo que pode levar a parada cardíaca
- Avisar o médico responsável rapidamente
- Preparar material para drenagem de emergência
Atuação do enfermeiro
- Manter a permeabilidade do sistema e monitorar a drenagem – se o dreno borbulhar excessivamente pode ser uma fístula aérea de alto débito, a última abertura do dreno pode estar fora da cavidade pleural, haver vazamento ou perfuração nas conexões – comunique o médico. Se a coluna de líquido parar de oscilar, o sistema pode estar ocluído ou pode ser decorrente da ventilação mecânica – o paciente respira pela pressão positiva do respirador e não por “aumento” na pressão negativa do espaço pleural
- Realizar uma avaliação respiratória completa – sinais vitais basais, oximetria, ausculta pulmonar, radiografia de tórax, presença de desconforto respiratório
- Verificar níveis de hemoglobina e hematócrito – parâmetros que demonstram perda sanguínea, afetando a oxigenação
- Evitar clampear o dreno no transporte do paciente e não elevar o frasco selo d’água ao nível do tórax do paciente – pois o líquido drenado irá refluir para a cavidade pleural.
- Evitar ordenhar o dreno – esse procedimento é pouco efetivo e pode gerar uma pressão negativa muito alta (com exceção dos drenos mediastinais).
- Nunca clampear um dreno que estiver borbulhando quando for trocar ou elevar o frasco – se possível usar apenas os dedos para pinçar a extensão. Lembre-se: um dreno clampeado pode provocar um pneumotórax hipertensivo, com balanço do mediastino e parada cardíaca.
- Nunca conectar a rede de vácuo direto no respiro do frasco selo d’água. Usar sempre um sistema regulador (frasco de aspiração ou tubo regulador de vácuo)
- Anotar rigorosamente os controles realizados – quantidade drenada por unidade de tempo – ex.: 300ml/6h, a coloração e a consistência.
- Manter o paciente em posição Semi-Fowler – posição ideal – e movimentá-lo a cada 2 horas – estimula a saída de ar e líquido.
- Encorajar o paciente a tossir, respirar profundamente e deambular, quando possível – facilita a drenagem e previne obstrução do dreno
- Monitorar e aliviar a dor – a permanência do dreno ocasiona dor, que inibe a tosse e, consequentemente, facilita o acúmulo de secreções
- Realizar troca diária de curativo – previne infecção
Critérios para a remoção do dreno torácico
- Um dia após a cessação de saída de ar – 24 horas sem borbulhar
- Radiografia de tórax com pulmão totalmente expandido
- Volume da drenagem entre 50 a 100 ml em 24h
- Drenagem de aspecto claro
- 1 a 3 dias após cirurgia cardíaca
- 2 a 6 dias após cirurgia torácica
Parecer no.001/2016 – COFEN – conclui que, o Enfermeiro é profissional habilitado para a realização da retirada do dreno pleural tubular, e menciona: “Os profissionais devem possuir conhecimento científico e habilidade para prestar assistência embasada em evidência científica ao portador desse tipo de dreno, a fim de prevenir potenciais complicações relativas ao procedimento e promover a segurança do paciente”.
Doutora em Ciências (EEUSP), pós-graduada em Administração Hospitalar (UNAERP) e Saúde do Adulto Institucionalizado (EEUSP), especialista em Terapia Intensiva (SOBETI) e em Gerenciamento em Enfermagem (SOBRAGEN). É professora titular da Universidade Paulista no Curso de Enfermagem, e professora do Programa de Especialização Lato-sensu em Enfermagem em Terapia Intensiva e Enfermagem do Trabalho na Universidade Paulista.