FSM, 76 anos, divorciado, católico, aposentado, com história de falta de ar aos pequenos esforços, diminuição do volume urinário acompanhado de ganho de peso, deu entrada no serviço com quadro de desconforto epigástrico, tosse seca associada a dificuldade para respirar (dispneia progressiva).
Antecedentes pessoais
- Foi tabagista 40 anos – parou de fumar há seis anos
- Hipertensão arterial sistêmica
- Diabetes tipo 2
- Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) anterior
- Doença arterial coronariana – Lesão triarterial (marginal, circunflexa e diagonais) – com indicação cirúrgica – Revascularização Miocárdica.
- Em uso de ácido acetilsalicílico, heparina, furosemida e sinvastatina.
Foi feita a internação e o paciente permaneceu 20 dias em tratamento para a compensação da Insuficiência Cardíaca (IC), porém sem sucesso. Frente à dificuldade no manejo da IC, de causa isquêmica, foi transferido para um hospital de referência em cardiologia, onde permaneceu internada por 25 dias. As equipes clínica e cirúrgica, após discussão do caso, optaram por realizar angioplastia coronariana.
Durante o período apresentou piora da IC, revelada por congestão pulmonar não responsiva ao tratamento farmacológico.
Exame físico
No decorrer da descompensação hemodinâmica, manteve-se entubado, em ventilação mecânica – modalidade: pressão controlada, com PEEP de 05, FiO2 de 40%, FR de 18 ipm, recebendo, também, drogas vasoativas, analgésicos e sedativos por cateter venoso central (CVC) em jugular direita. PA= 90×60 mmHg, FC 116 bpm.
Abdome globoso, distendido, com fígado palpável a 5 cm do rebordo costal direito (RCD) e edema importante de membros inferiores (MMII).
Má perfusão periférica. Ausculta pulmonar: roncos e estertores em bases pulmonares Ausculta cardíaca: bulhas arrítmicas (taquicárdicas) normofonéticas, sopro sistólico em foco mitral e aórtico.
Procedimentos realizados:
Sonda nasoenteral e sonda vesical Foley.
Resultado de exames (Pedreira e Mergulhão):
Cineangiocoronariografia
- Tronco coronário esquerdo sem lesões
- Diagonal anterior tipo II, com lesão suboclusiva no terço proximal, leito distal de fino calibre e lesão de 75% no terço médio
- Primeira diagonal (pequena importância anatômica) com lesão de 90% no terço proximal
- Segunda diagonal (moderada importância anatômica) com lesão de 50% no terço médio
- Circunflexa atinge terço distal do sulco atrioventricular, com lesão de 75 a 90% de terço distal
- Primeira marginal (grande importância) bifurcada, com lesão suboclusiva em um sub-ramo e oclusão do outro
- Coronária direita dominante com lesão de 50% no terço médio
- Ramo de diagonal posterior (grande importância) com lesão de 75% no terço médio
- Ventrículo esquerdo com acinesia anterior e apical
Eletrocardiograma
- Frequência cardíaca = 107bpm
- Bloqueio de ramo esquerdo
Radiografia de tórax
- Aumento da área cardíaca
- Congestão pulmonar – infiltrado no parênquima pulmonar
Ecocardiograma
- Fração de ejeção – 24%
- Aumento importante do átrio esquerdo e ventrículo esquerdo
- Acinesia infero-mediana basal do ventrículo esquerdo
- Disfunção diastólica
- Insuficiência mitral de grau leve
- Esclerocalcificação de válvula aórtica
- Insuficiência aórtica de grau leve
- Insuficiência tricúspide leve
- Ausência de hipertensão pulmonar
Analisando
A IC, considerada um problema de saúde pública, é uma síndrome progressiva na qual uma alteração estrutural ou funcional leva à incapacidade do coração de ejetar o sangue (disfunção sistólica) em volume satisfatório para atender as demandas orgânicas ou acomodar o sangue (disfunção diastólica) dentro dos valores pressóricos fisiológicos.
Alterações complexas na função estrutural, funcional e biológica do coração são responsáveis pela natureza progressiva da IC. Diversos mecanismos de compensação para melhorar o baixo débito cardíaco são ativados, mediados pela ativação de hormônios, mediadores neurais e peptídeos com ação sobre os rins, vasculatura periférica e miocárdio. Há também intensa reação imune com liberação de citocinas, mediadores inflamatórios e fatores de crescimento com ativações sistêmicas e teciduais. Estes mediadores perpetuam a disfunção ventricular e desempenham, assim, importante papel prognóstico. (Souza, Pires e Rocha)
Dentre várias causas, as mais comuns são: doença de Chagas, doença arterial coronariana, doenças valvulares (aórtica e mitral). Por ser considerada uma síndrome, apresenta um conjunto de sinais e sintomas:
- Fadiga e astenia – diminuição da perfusão
- Dispneia aos esforços e posteriormente em repouso
- Taquipneia
- Dispneia paroxística noturna
- Noctúria
- Tosse
- Ingurgitamento jugular – na posição semissentada – (hipertensão venosa sistêmica e elevação da pressão no átrio direito)
- Ritmo de galope – terceira bulha patológica
- Edema de membros inferiores – pernas e tornozelos
- Edema de abdome – hepatomegalia por IC direita e congestão venosa.
- Oligúria
- Cianose de extremidades
Dispneia é o principal sintoma da insuficiência ventricular esquerda e comumente se apresenta com intensidade progressiva: dispneia aos esforços, ortopneia, dispneia paroxística noturna, dispneia de repouso até edema agudo de pulmão. (Barretto e Melo)
Classificação do tipo funcional, segundo a New York Heart Association (NYHA):
- TF I – atividade usual sem causar fadiga ou dispneia
- TFII – atividade usual, causando fadiga ou dispneia leve a moderada
- TFIII – atividade usual, causando fadiga ou dispneia com acentuada limitação, porém confortável em repouso
- TFIV – atividade usual, causando fadiga ou dispneia com acentuada limitação e total desconforto em qualquer atividade executada
Alguns diagnósticos de enfermagem
- Perfusão tissular renal, cardiopulmonar, gastrointestinal e periférica ineficaz (diminuição na oxigenação, resultando em incapacidade de nutrir os tecidos no nível capilar) caracterizada por oligúria, dispneia, perfusão periférica dominuída, estertores pulmonares, sopro sistólico aórtico e mitral, hepatomegalia, cianose, edema, relacionadas ao transporte prejudicado de oxigênio por redução da circulação sanguínea, por disfunção cardíaca
- Fadiga (sensação opressiva e sustentada de exaustão e de capacidade diminuída para realizar trabalho físico e mental no nível habitual) caracterizada por cansaço e falta de energia, relacionada à condição física debilitada e estado da doença
- Débito cardíaco diminuído (quantidade insuficiente de sangue bombeado pelo coração para atender às demandas metabólicas corporais) caracterizado pela taquicardia, estase jugular, edema de MMII, má perfusão periférica, relacionado à contratilidade, pré e pós-carga e volume de ejeção alterados
- Volume excessivo de líquidos (retenção aumentada de líquidos isotônicos) caracterizada pelo edema, estertores pulmonares, estase jugular, ganho de peso, hepatomegalia, relacionado aos mecanismos reguladores comprometidos
- Risco de infecção (risco aumentado de invasão por organismos patogênicos) relacionado às defesas primárias inadequadas, à exposição ambiental a patógenos, à doença crônica e aos procedimentos invasivos
- Intolerância a atividade (energia fisiológica ou psicológica insuficiente para suportar ou completar as atividades diárias requeridas ou desejadas) caracterizada pela dispneia aos esforços e atividades simples, taquicardia, hipotensão, relacionada ao desequilíbrio entre a oferta e demanda de oxigênio
- Mobilidade no leito prejudicada (limitação para movimentar-se de forma independente de uma posição para outra no leito) caracterizada pela impossibilidade de mudar de decúbito, relacionada à sedação.
- Comunicação verbal prejudicada (habilidade diminuída, retardada ou ausente para receber, processar, transmitir e/ou usar um sistema de símbolos) caracterizada pela diminuição do nível de consciência e intubação orotraqueal (barreira física) relacionada à sedação
- Proteção ineficaz (diminuição na capacidade de proteger-se de ameaças internas ou externas, como doenças ou lesões) caracterizada pela imobilidade relacionada a sedação
- Risco de desequilíbrio na temperatura corporal (risco de não conseguir manter a temperatura corporal dentro dos parâmetros normais) relacionado à inatividade e sedação
- Risco de constipação (risco de diminuição na frequência normal de evacuação, acompanhada de eliminação de fezes difícil ou incompleta e/ou eliminação de fezes excessivamente duras e secas) relacionado ao repouso absoluto que diminui o peristaltismo e a agentes farmacológicos como sedativos
- Risco de aspiração (risco de entrada de secreções gastrointestinais, orofaríngeas, sólidos ou fluídos nas vias traquebrônquicas) relacionado à sedação, presença do tubo orotraqueal e a alimentação por sonda
Terapia Medicamentosa
- Diuréticos – diurético de alça (Furosemida) – grande capacidade de gerar excreção de sódio, existente no filtrado glomerular. Provoca alto fluxo de urina. Inibe o transporte de cloreto de sódio (NaCl) para fora do túbulo.
- Nitratos – promovem redução significativa dos volumes e das pressões diastólicas e sistólicas do ventrículo esquerdo. Ao reduzir as pressões de enchimento ventricular elevadas, a tensão parietal diastólica e as pre-cargas excessivas na insuficiência cardíaca congestiva diminuem as pressões venocapilares, a congestão pulmonar e o edema.
- Inibidores da ECA – inibidor dos efeitos da angiotensina I, impedindo a conversão em Angiotensina II, vasoconstritor potente. Atua nos leitos vasculares melhorando a perfusão de órgãos vitais.
- Betabloqueadores – mantém ativação dos receptores B1, atenuando simultaneamente a resposta cardíaca à adrenalina circulante.
- Digitálicos – aumento da força de contração (aumento do inotropismo) causado por aumento do cálcio intracelular, que gera forte elevação da tensão de contração, e funcionam ao contrário das catecolaminas, não acelerando o relaxamento cardíaco.
- Antiarrítmicos – a depleção de potássio e magnésio em virtude do uso de diuréticos pode induzir arritmias cardíacas. Os antiarrítmicos reduzem a morte súbita em, aproximadamente, 40% dos portadores de insuficiência cardíaca congestiva. A morte é súbita por taquicardia ventricular ou fibrilação ventricular. Em consequência, a importância da terapêutica antiarrítmica tem sido considerada no manuseio da síndrome. Estudos apontam que a Amiodarona reduziu a morte cardíaca súbita em pacientes com arritmias ventriculares complexas e fração de ejeção diminuída, e que tem se mostrado mais eficaz para restaurar o ritmo sinusal na fibrilação atrial.
Atuação do enfermeiro
- Realizar ausculta pulmonar e cardíaca
- Avaliar a estase jugular
- Avaliar a presença de febre, aparência das secreções, local de inserção de cateteres
- Promover mudança de decúbito a cada 2 horas; instalar colchão piramidal
- Monitorar presença de arritmias
- Monitorar o débito urinário a cada 2 horas
- Verificar o peso diariamente
- Utilizar técnica asséptica e reduzir a possibilidade de entrada de micro-organismos
- Realizar balanço hídrico
- Realizar controle de sinais vitais e saturação de oxigênio, por meio da oximetria de pulso
- Monitorar evolução/regressão do edema
- Monitorar o equilíbrio ácido-base – gasometria arterial
- Realizar cuidados para prevenir aspiração brônquica
Doutora em Ciências (EEUSP), pós-graduada em Administração Hospitalar (UNAERP) e Saúde do Adulto Institucionalizado (EEUSP), especialista em Terapia Intensiva (SOBETI) e em Gerenciamento em Enfermagem (SOBRAGEN). É professora titular da Universidade Paulista no Curso de Enfermagem, e professora do Programa de Especialização Lato-sensu em Enfermagem em Terapia Intensiva e Enfermagem do Trabalho na Universidade Paulista.